São Paulo, terça-feira, 26 de novembro de 1996
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Ainda há tempo

LUIZ ANTONIO FLEURY FILHO

Quase dois anos depois, a desastrada intervenção no Banespa, arquitetada, induzida e realizada pelo Banco Central para alimentar vaidades políticas e vinganças pessoais, revela a sua prodigiosa inutilidade. Dois anos, e nada foi feito. Dois anos, e nada se resolveu. Dois anos, e as dívidas do Estado de São Paulo para com seu banco mais que dobraram. De US$ 8,7 bilhões, saltaram para mais de US$ 20 bilhões.
E agora?
Dentro de poucas semanas, atingiremos o limite do prazo legal para a intervenção. As propostas de "solução" vazadas por fontes de Brasília se multiplicam e se desmentem quase diariamente. Já se falou em tudo: federalização, privatização, gestão compartilhada, liquidação, contratação de uma consultoria privada.
Enquanto isso, o que diz o atual governo de São Paulo? O governo não diz nada. Cúmplice da intervenção, pois foi avisado do que ocorreria e não protestou, percebeu no dia seguinte o desastre que causara jogando as finanças de São Paulo no "juroduto" montado pelo Banco Central. Mas, em vez de negociar, passou todo o tempo mais preocupado em culpar seus antecessores, fingindo que o problema não era com ele.
Também eu poderia silenciar sobre o Banespa. Sou o único governador, desde os tempos de Paulo Egydio, que pagou parte das dívidas do Estado de São Paulo com o Banespa, sem ter acrescentado um centavo de dívidas novas -fato absolutamente inegável e que não sofreu qualquer espécie de contestação. Poderia também alegar que o problema não é comigo. E com muito mais razão, pois já há dois anos deixei o Palácio dos Bandeirantes.
Mas não é do meu feitio. E agora também é demais. Alguém precisa falar pelo Banespa. Alguém precisa falar por São Paulo, apontar os reais responsáveis. A dívida de São Paulo para com o Banespa foi construída a partir de 1977 da seguinte maneira: 0,7% no governo Paulo Egydio (77-78), 15,3% no governo Paulo Maluf (78-82), 46,5% no governo Montoro (83-86) e 37,5% no governo Orestes Quércia (87-90).
Parte desse dinheiro foi usada nas obras de infra-estrutura. Mas outra parte, nada negligenciável, foi empregada para corrigir os desacertos da política econômica federal.
Como se recorda, durante a década de 70, as grandes empresas estatais foram obrigadas a contrair empréstimos em dólares para auxiliar o governo federal na gestão da balança comercial.
Em setembro de 1982, a crise causada pela moratória do México cortou as linhas de crédito internacional, impedindo a rolagem da dívida externa brasileira. Brasília respondeu em 1983 com uma maxidesvalorização brutal. Impossibilitadas de pagar seus compromissos, as estatais paulistas pediram socorro ao Banespa. Coube a ele, a partir de 1983, bancar junto ao Banco Central o pagamento da contrapartida em cruzeiros dos débitos vencidos.
Ainda assim, o problema pôde ser contornado, até que se abateu sobre o Brasil a desvairada política de juros do Banco Central. O desastre, então, atingiu igualmente todos os Estados, prova de que a crise de São Paulo não se deve a uma imaginária irresponsabilidade sequencial dos governadores paulistas, mas se originou em Brasília.
A primeira pessoa a reconhecer essa verdade deveria ser o atual governador de São Paulo. Na primeira metade do seu governo, a dívida deu um salto de mais de US$ 10 bilhões. É um recorde monumental, que reduz ao mais absoluto ridículo o pretenso saneamento das finanças do Estado. De que adianta economizar tostões na demissão de funcionários humildes enquanto jorram bilhões pelo "juroduto"?
Só espero que o atual governo não entre para a história por entregar o Banespa à sanha dos burocratas do Banco Central. Ainda há tempo. Basta que, se assinar o acordo anunciado, exija a inclusão de uma cláusula de devolução obrigatória do Banespa a São Paulo dentro de determinado prazo. O ideal seria obter as mesmas condições oferecidas ao Rio Grande do Sul para rolagem da dívida sem a perda do banco.
Não se trata de favor. Esse banco é nosso. Nasceu aqui há 87 anos pelas mãos de nossos avós. Faz parte da nossa história. Financiou a lavoura e a indústria. Conquistou por tal forma o respeito dos paulistas que, mesmo durante a intervenção, os depósitos aumentaram. Respeito inteiramente merecido, note-se bem. Depois de dois anos de feroz perseguição a seus antigos dirigentes, nada, absolutamente nada, foi encontrado que os desabonasse. É um exemplo raro. Deve ser preservado.
Não costumo passar o meu tempo lembrando o que São Paulo fez e faz pelo Brasil, não sou de afirmar que nosso Estado carrega os outros nas costas. Mas também não vejo por que pedir desculpas por erros que não cometemos, aguentar insultos de burocratas, entregar nosso patrimônio de mão beijada. Entre a soberba e a subserviência, sobra espaço para a dignidade. Dignidade para São Paulo. Dignidade para o Banespa.

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