São Paulo, quinta-feira, 28 de novembro de 1996
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A volta triunfante de uma violenta Carmen Miranda

ANTÔNIO BIVAR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Vinte anos antes do surgimento do punk, o planeta teve notícia do rock entre 1955/56; primeiro através da imprensa e logo a seguir pelo som propriamente dito. Rádios, discos, filmes etc. Graças ao triunvirato escandaloso formado por Little Richard, Bill Haley e Elvis Presley.
Pronto. Feito o estrago, o jovem rock seguiu sacudindo o planeta até dar sinais de desgaste e de querer voltar para o brejo. E o rock ressurge reenergizado com os Beatles. Esse advento ensandece novamente o planeta jovem e o espírito da década explodirá no verão de 1967.
Toda essa safra terá seu auge e queda em 1969 -com os festivais de Woodstock (up) e Altamont (down). No ano seguinte, o Cristo dessa movimentação, John Lennon, profetiza o fim do "sonho".
Profetiza não, decreta. E o rock perde rumo e prumo. Mas, será de algum modo salvo em 1972, graças a uma rara oportunidade dada ao espírito gay da hora.
Assumidamente influenciado pela arte "bitch" de Andy Warhol, o glamour rock durou os anos da divina decadência.
Para uma nova geração que despontava, o rock, mais que apático, parecia morto. 20 anos depois de seu advento, o rock, para continuar vivendo, precisava de uma sacudida daquelas de não deixar pedra sobre pedra, ou fosse, o rock sobre rock.
E num misto de espontaneidade e estratégia diabólica, um verdadeiro "coup de théâtre" fez mais uma vez as águas se dividirem. E tudo muito simples: volta ao básico. Três acordes, no máximo quatro.
E aconteceu de novo na Inglaterra. Fervilhante adrenalina energiza a revolta e essa garotada, sendo dada toda a liberdade para se expressar, é marketada pela mídia para mudar o ritmo da festa.
E assim, 20 anos depois de ter surgido, o rock renascia graças ao sangue novo das bandas e às cabeças pensantes de alguns de seus criadores.
Londres, 1975, na loja Sex, de Malcolm McLaren e Vivienne Westwood, reúnem-se os rapazinhos Paul Cook, Steve Jones, Glen Matlock e logo depois John Lydon. McLaren armou o frege. Estava pronta a banda: The Sex Pistols.
Em NY o espírito punk também fazia brotar sua turma -Patti Smith, Television, Blondie, The Ramones, Dead Boys etc.-dentro de uma linha mais cool.
E, assim, ao contrário de tudo que viera antes -com exceção de um pé nas antecedências de Lou Reed, MC5, The Stooges e outros- o punk impactava pelo novo.
O movimento explode em Londres 1976 com "Anarquia no Reino Unido", dos Pistols. Em fevereiro de 77, Sid Vicious entra no lugar de Glen Matlock -expulso por confessar gostar dos Beatles- e em maio o single "God Save the Queen" é lançado e vende 150 mil cópias.
É o ano do Jubileu da Rainha (25 anos no trono). E, na semana jubilaica, o single dos Pistols chega em 2º lugar na parada de sucesso. E os meninos, ainda que sapecas -dizendo palavrão e cuspindo na lente das câmeras de TV, trazem todo um novo arrepiar, caem nas graças do povo e tornam-se os novos (anti)heróis.
Depois de muito aprontar, os Sex Pistols se desfazem em 1978, logo depois Sid Vicious esfaqueia a namorada Nancy no Chelsea Hotel, em Nova York, e depois de preso, solto afiançado, insatisfeito, heroinômano, se mata com uma "over" e a essa altura o punk, já com nome sujo na praça, dá lugar a uma new wave mais civilizada, mas também muito interessante.
Punk's not dead
Longe de sossegar, o punk voltou para o underground, seu melhor celeiro. sub-repticiamente foi crescendo quantitativamente no mundo inteiro, não escapando nem a (ainda) Cortina de Ferro.
E começa uma tal correspondência mundial entre adolescentes proletários, um frenético troca-troca de figurinhas, K7s e idéias, o "timing" mais acelerado (hardcore, thrash) que, a impressão que se tem, agora em 1981, é de que o punk está fazendo valer o termo.
Jello Biafra, líder dos Dead Kennedys -banda cult em todo o planeta punk- descobre o punk brasileiro através de uma K7 enviada a ele por punks da Finlândia (veja bem), e põe pra tocar no seu programa de rádio na KPFA de San Francisco, programa retransmitido por outras rádios piratas para toda a América.
E uma coisa que ninguém sabe é que Jello era também fã da nossa Carmen Miranda e por ser ela rapidíssima (punk, thrash) também a punha na trilha de seu programa. O líder dos Dead Kennedys uma vez me escreveu pedindo que eu escrevesse um artigo sobre Carmen Miranda para o "Fallout" -um fanzine punk que ele editava lá na Califórnia.
Nessa mesma época, do outro lado do Atlântico, na Inglaterra, a banda Ratos de Porão -antes da entrada do João Gordo, mas com Mingau e Betinho- foi considerada pelo "New Musical Express" inglês a "Pixote" das bandas punks do mundo.
Isso porque o filme de Babenco fazia sucesso pelo mundo e os membros da Ratos de Porão tinham idades entre 15 e 17 anos. Estamos em 1982, no Brasil.
Depois de um disco excelente que foi o "Grito Suburbano" -primeira coletânea punk brasileira com as bandas Inocentes, Cólera e Olho Seco- e outros discos independentes que vieram depois, assim como o festival "O Começo do fim do Mundo" no Sesc-Pompéia -com repercussão na imprensa internacional, do Washington Post a jornais do Japão.
E nos últimos anos, com a americana Green Day cumprindo sua tarefa "mainstream" -pois estamos na década dos entretenimentos de massa- e o reagrupamento dos Sex Pistols, temos agora servido o punk para as massas, mesmo que o lucro seja assumidamente "filthy".
Diversão segura como o sexo seguro, curiosos de todas as idades podem ir lá conferir. E o prefeito do Rio não precisava ter ficado com medo e nem pensado em mandar fechar o Circo.
Quanto aos Sex Pistols, logo nos primeiros shows da volta, quando crítica e fãs manifestaram sua decepção, Johnny Rotten foi extremamente coerente: "Mas o punk sempre foi decepcionante!" E acrescentou: "E assim será. Sempre."

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