São Paulo, quinta-feira, 28 de novembro de 1996
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Surfe na Rocinha

CARLOS SARLI

"Stop, stop". A palavra repetida soou como dois disparos de nove milímetros. Não é preciso ser carioca para saber que ali, em São Conrado, não é lugar para turistas.
Eu, que acabara de ingressar na barca, composta por um tricampeão mundial de surfe, sua mulher, grávida de sete meses, o filho, um ano, babá, dois músicos negros, um deles com a namorada, loirinha, o motorista, a mulher do motorista, também grávida, fui encarregado em explicar a Tom Curren que aquele não era um lugar familiar.
Não fui convincente. A dúvida que suscitei foi dissipada pela descida dos ocupantes da van.
Um dos músicos se empolgou com um jogo de futebol, o outro foi marombar. A mulher de Tom foi indo para praia, parando na escadaria diante do impasse que gerei. Não aguentou o cheiro de banheiro curtido ao sol e acelerou para a areia.
Dois guardas apareceram e logo se afastaram. Foi quando André, o motorista, fez o mais sensato. Procurou alguém com rosto familiar e se apressou em explicar que estava de cicerone do americano, considerado um dos melhores surfistas de todos os tempos. Logo um segundo rosto familiar foi acionado, e a praia foi liberada.
As ondas que motivaram Tom estavam com um metro, tortas, água gélida e crowd. Saiu mais tarde do mar com a prancha de um local que insistiu em usar a dele. Deitou na areia quente e rolou como farofeiro para se aquecer. Os locais acompanharam, "meio-admirando-meio-esnobando" o gringo.
Na saída fomos escoltados por uma galera. Meu gravador sobreviveu para a entrevista, assim como os pertences de todos.
No dia seguinte, a caminho do aeroporto, o motorista do táxi me diria que ali estavam alguns dos maiores e mais desvalorizados imóveis do Rio. Não pelos assaltos, que o tráfico proíbe porque atrai a polícia. Mas pela extrema proximidade da miséria e de balas perdidas.

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