São Paulo, quinta-feira, 28 de novembro de 1996
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"Emancipation" traz três horas de o)+->

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REDAÇÃO

"Emancipation" tem, para Prince -ou melhor, o)+-\>, grafia improvisada que o próprio encarte do CD sugere-, o valor da há muito almejada libertação da Warner, gravadora pela qual ele vendeu, em 18 anos, algo em torno de 100 milhões de discos.
Multimilionário e chorando por liberdade, lançou, no começo do ano, o tapa-buraco "Chaos and Disorder" e ganhou a estrada.
Não foi muito longe: conseguiu contrato -que inclui produção independente por seu selo NPG e manutenção do controle absoluto sobre a obra- com a igualmente gigante EMI.
"Emancipation", o rebento da transição de uma corporação a outra, é o maior "tour de force" de sua carreira. São três CDs, de mais de uma hora de duração cada, num total de 36 músicas.
Nos Estados Unidos, os três CDs custam o preço de dois -a EMI brasileira, que deve lançar o disco em edição nacional na próxima semana, promete que aqui o pacote será vendido a R$ 45 -brigue com seu lojista.
A obra anuncia, segundo ele, vários níveis de emancipação, da profissional à pessoal -é o disco que marca o nascimento de seu primeiro filho (experiência na qual é acompanhado pelos arqui-rivais Madonna e Michael Jackson).
Segundo informações que o artista recusa comentar, o herdeiro teria nascido prematuro e com graves deformações. Anteontem, o tablóide sensacionalista norte-americano "National Enquire" noticiou a morte do bebê.
Disco triplo
Que o)+-\> é profícuo, todo mundo já sabe. "Emancipation" é a exacerbação dessa tendência. E até traz algumas novidades.
A principal delas é que o astro, sempre orgulhoso de monopolizar tudo em seus discos, da composição à execução, pela primeira vez se dispôs a gravar covers.
Emblematicamente, escolheu temas pálidos -como canções da boa moça Joan Osbourne e da country woman Bonnie Raitt, além do hit dos 70 "Betcha by Golly Wow!", dos Stylistics, em que pela primeira vez Prince parece copiar Michael Jackson.
Os covers se diluem na enxurrada de faixas próprias. Só conseguem certo destaque "Style", do clã funkeiro de George Clinton, e o clássico da black music setentista "La, La, La Means I Love U", dos Delfonics.
Não significa que seu ego esteja se distendendo. Ele ainda quer o domínio de tudo. Convida Kate Bush, cantora de voz personalíssima, a participar de "My Computer". A voz dela simplesmente desaparece atrás da dele.
E sua voz nem está na melhor forma -em faixas como a tecno "The Human Body" os falsetes chegam a parecer os dos Bee Gees.
Megalomania
Outra peculiaridade no novo disco é a tematização das faixas. "Emancipation" é disposto como dois CDs de funk -o primeiro de "raiz", como faria o mestre George Clinton, o segundo modernoso, contaminado de rap e tecno- recheados, no meio, de um outro quase integralmente entregue às baladas.
Os CDs parecem destinar-se a tipos diferentes de fãs, o que impõe a megalomania criativa -e autoritária- a que o artista se entrega cada vez mais: você não pode optar, tem que comprar os três.
E o fato de serem três é o que gera o conflito. "Emancipation" é o trabalho mais consistente de Prince em muito tempo. Mas quem é capaz de sair feliz de uma audição de 36 longas faixas de um artista que, ainda que genial, comete variações sobre duas ou três bases que são as mesmas desde sempre?
O disco triplo é cansativo, exaustivo. Para quem conhece bem a obra do artista, é enfadonho, ainda que esbanje inspiração.
Estabelece-se relação esquizofrênica, de quase desrespeito do artista pelo fã. Como ele fez quando optou pelo nome impronunciável, nessa nova catarata de canções o)+-\> releva o público, submete-o a seus caprichos e vontades.
Assim, "Emancipation" faz acentuar o processo de distanciamento que já se efetua há tempos entre Prince e seus fãs. E isso acontece à revelia de obras-primas que ainda se espalham pelo trabalho.
Ouça "Jam of the Year" e "Mr. Happy" (do primeiro CD), "Sex in the Summer" -que inclui batidas de coração do filho ainda no útero de Mayte- e "Joint 2 Joint" (do segundo), a suíte de quatro faixas que abre o terceiro CD à moda de "Sign 'o' the Times" (87).
Mas é difícil achá-las em meio à verborragia e a uma mesmice já inerente a um artista há tanto tempo tão presente na cena pop.
Teimoso e egocêntrico, ele enfrenta a mesma maldição que Madonna e Michael Jackson: o que nos anos 80 era novidade -no caso de Prince, o que havia de mais sofisticado-, bom ou não (e em seu caso é bom), hoje ameaça ficar datado.
Deve ser simbólica a migração em massa dos ícones dos 80 à p(m)aternidade quase tardia: como filhos, suas obras de arte já não lhes são tão satisfatórias.

Disco: Emancipation
Artista: o)+-\>
Lançamento: NPG/EMI (importado; deve chegar às lojas brasileiras na próxima semana, por R$ 45, segundo a EMI)
Quanto: R$ 69
Onde encontrar: London Calling (tel. 011/223-5300)

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