São Paulo, sexta-feira, 29 de novembro de 1996
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Qual é a verdade do DNA?

LUIZ EDSON FACHIN

Episódios recentes reacendem a discussão sobre a determinação da paternidade: deve prevalecer a voz do sangue ou a voz do coração? O debate entre o "pai de sangue" e o "pai de afeto" remete para a crítica da valoração jurídica dos laudos genéticos nas ações de investigação de paternidade.
Para aprofundar um pouco a questão, cabe captar as recentes transformações da família e do sistema jurídico destinado a emoldurar as relações entre pais e filhos e sustentar que o vínculo genético não pode ser a única base para definir as relações familiares, especialmente a paternidade, como está em nossa recente tese "Da Paternidade: Relação Biológica e Afetiva" (Del Rey, Belo Horizonte).
A análise deve partir do sistema legal brasileiro, que originalmente proibia a declaração da paternidade de certos filhos, reconhecendo os passos que foram dados pela conquista do princípio da igualdade, abrindo as portas para o direito à paternidade. O exercício praticamente sem barreiras desse direito acaba demonstrando, paradoxalmente, seus próprios limites.
É que se deve questionar, nessa angulação, os resultados jurídicos a que conduzem os laudos nas investigações de paternidade, sem embargo da precisão desses exames, inclusive daqueles que tomam por base o cariótipo humano com formação de bandas e a determinação de sequências de aminoácidos codificadas no DNA. Ocorre que os laços de parentesco, ao final deste século, ao surpreenderem o modelo jurídico clássico, especialmente em face da engenharia genética, não se resumem a uma explicação biológica.
Tudo isso se passa sob uma crise do modelo jurídico das relações familiares, levando-se agora mais em conta os interesses superiores da criança e o estatuto da condição feminina que moldam um novo perfil jurídico, sob o qual os julgamentos dos tribunais começam a se afastar do modelo clássico.
Mesmo vencendo os obstáculos jurídicos para o conhecer o vínculo biológico, não é possível responder satisfatoriamente à verdadeira paternidade. A impossibilidade de um conceito unívoco marca o cerne da crise do padrão jurídico estabelecido, o que conduz à busca de novos paradigmas.
Nessa perspectiva, sem respostas simples, a expressão jurídica do afeto configurando a paternidade socioafetiva, por intermédio do mecanismo técnico da posse de estado, faz emergir uma nova realidade na travessia do singular à acepção plural da paternidade, coerente com os desafios a serem enfrentados pelo direito às vésperas do novo século.

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