São Paulo, sábado, 30 de novembro de 1996
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O mercado de veículos derrapa na curva

TELMO GIOLITO PORTO

A estabilidade da moeda limitou os ganhos bancários derivados da inflação. Ao mesmo tempo, os altos juros, significativos em relação às margens da produção industrial ou atividade comercial, dificultam aos bancos obter tomadores para seus empréstimos entre as empresas. O risco de inadimplência também aumenta com a elevação das taxas, de maneira que as instituições financeiras têm que ser mais seletivas na concessão do crédito.
A consequente necessidade de ampliar mercado para seus empréstimos e o potencial de consumo no Brasil fazem com que grandes bancos se voltem para o crédito ao consumidor e, nesse ramo, para o financiamento de veículos.
Afinal, como já foi bem explorado por um comercial televisivo, o brasileiro gosta tanto de automóvel que esquece o nome da esposa, mas lembra a chapa de seu primeiro carro; ou proíbe que sua "segunda" paixão -a boazuda- se sente molhada no estofamento.
No momento em que grandes conglomerados financeiros e outros tradicionais no ramo têm que lutar para financiar automóveis, o papel da revendedora torna-se crítico.
Mesmo bons e antigos clientes de um banco tendem a financiar sua compra na instituição indicada pela revenda. Isso sem falar na possibilidade de a loja criar dificuldades para a livre escolha da financeira, seja argumentando com prazos e possível perda da oportunidade da compra, seja oferecendo descontos ilusórios no produto.
O fato é que se instituiu e tende a crescer a prática de remunerar as concessionárias pela captação de clientes para o financiador. Fala-se de prêmios de até 25% do valor financiado.
As comissões são tão sedutoras que algumas revendas chegam a oferecer preço à vista superior ao financiado. Tal comportamento é possível porque a diferença de preço no veículo é contrabalançada pelo valor da comissão financeira. Na prática, a operação pode ser prejudicial ao comprador, na medida em que o agente de crédito apoiado pelo vendedor não seja o que oferece melhores condições ao financiado.
Os juros, provavelmente, permanecerão altos, em razão da política governamental de controle da inflação. Juros elevados estimulam a poupança, reduzindo o consumo. Ao mesmo tempo, tornam caro manter capital aplicado em estoques, mecanismos que promovam a desova de produtos e a compressão dos preços.
Também favorecem a entrada de capital estrangeiro, atraído -em parte especulativamente- pelo diferencial de rendimento com o exterior, o que ajuda na tentativa de equilibrar as contas externas e mantém a oferta de dólares, limitando o preço da moeda americana e, em consequência, garantindo a "âncora cambial" do plano econômico.
O déficit comercial recorde de US$ 1,3 bilhão em outubro -teoricamente capaz de extinguir as reservas cambiais do país em cerca de três anos- possivelmente contribuirá para a permanência dos altos juros, pois, no embate entre economistas alarmados ou não com o déficit (obviamente os não-alarmados estão no poder), talvez se escolha, ao menos inicialmente reduzir o consumo de importados via taxa de juros, em vez de promover uma desvalorização do cruzeiro.
Existe, contudo, um ator passivo, mas capaz de interromper a cena de teatro do absurdo em que preços à vista podem ser superiores aos a prazo: o consumidor. Enquanto não nos acostumarmos a avaliar os juros embutidos nas prestações -separando o custo do produto do preço do dinheiro- as distorções vão continuar.
É prática individual nacional comparar as prestações apenas com nossa capacidade de pagamento. O consumidor deve perguntar claramente o valor dos juros e das taxas que pagará e compará-los com o rendimento que obteria aplicando seu dinheiro. Deve também "espremer" o vendedor para conhecer o melhor preço à vista possível.
O consumidor, ademais, estará fazendo um favor aos outros pólos do negócio. Acredite! Uma instituição que financia 100% de um veículo novo e ainda paga 25% de comissão tem na realidade desembolso de 125%, mas garantia de apenas 85% do empréstimo -percentual representativo da cotação do carro zero uma vez fora do concessionário. Quer dizer, de fato está rastreado somente 68% do capital envolvido.
Do outro lado, algumas revendas cujos custos estão sendo cobertos pelo prêmio financeiro e não pelas margens de comercialização dos veículos podem entrar "no vermelho" abruptamente se houver -por exemplo- um contingenciamento do crédito. É o risco de um novo tipo de "ciranda financeira" pós-Real, a ciranda sobre rodas!

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