São Paulo, domingo, 1 de dezembro de 1996
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País precisa de teste específico

VANESSA DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Os exames de sangue que apontam os riscos para anomalias fetais apresentam uma taxa entre 20% a 25% de falsos positivos no Brasil. A afirmação é de Thomaz Rafael Gollop, médico da Genética Instituto de Medicina Fetal e Genética Humana de São Paulo.
"O grande problema é que esses testes foram padronizados em populações de Primeiro Mundo. Não temos nenhuma padronização feita para a nossa população. Na ótica de todos nós essa taxa é intolerável. O tolerável gira em torno de 5%", diz Gollop.
Segundo ele, esses testes, que incluem o teste duplo, o triplo e o da alfafetoproteína, foram vendidos como uma grande alternativa por serem não-invasivos (não é preciso "picar" a barriga da mãe).
A alta taxa de falsos positivos acaba obrigando os médicos a passar para uma outra etapa, invasiva, que inclui os exames amniocentese e vilocoriônico.
"Já tivemos casos de perda do feto devido a esses exames porque fomos obrigados a passar para a fase invasiva. O risco nessa etapa é de uma perda a cada 200 exames."
Para o médico, embora a perda seja pequena, "é uma perda".
"Se você perde uma gestação que estava em risco, é uma situação. Se você perde uma gestação que não estava em risco, a situação, do ponto de vista ético, é completamente diferente."
Mais de 35 anos
Às vezes é preciso chegar até a etapa invasiva, mesmo que nenhum exame anterior tenha apontado um risco elevado para alguma anomalia fetal. Isso acontece, por exemplo, quando a mãe tem 35 anos ou mais.
Isso porque o óvulo envelhece com o tempo, e quando isso acontece há um risco maior de haver problemas na hora de a célula se dividir, o motivo pelo qual acontece a maior parte das anomalias.
O risco de mulheres de 30 anos terem um bebê com alguma anomalia, por exemplo, é de 1 para 700. O risco sobe para 1 para 200 em mulheres de 35 anos.
"Esse é uma conceito difícil de ser explicado porque, em muitas ocasiões, uma mulher que já deu à luz e que não tem nenhum problema na família não imagina que a partir de uma certa idade passa a ter risco elevado".
Teste do pezinho
O acompanhamento da criança conta com exames que são feitos após a fase fetal.
Certos testes são capazes de, no momento do nascimento do bebê, detectar doenças congênitas. Um dos mais conhecidos é o "teste do pezinho", capaz de apontar se a criança apresenta uma doença chamada fenilcetonúria.
A frequência dessa doença na população é de um afetado para cada 15 mil nascidos vivos.
"Nós fazemos uma loucura. Triamos a fenilcetonúria e o hipotiroidismo congênito, cuja frequência é de 1 para 4.500, e deixamos de triar a anemia falciforme", diz Gollop.
A anemia falciforme é uma doença congênita que atinge a população negra -45% da população brasileira- e afeta a forma das hemácias, as células vermelhas do sangue responsáveis pelo transporte de oxigênio para todas as partes do corpo.
"Não se faz nada em relação a isso, e justamente em relação a uma doença cuja frequência na população é muito mais alta do que a fenilcetonúria: 1 para 300 nascidos vivos", afirma Gollop.
Segundo ele, a estimativa é de que haja cerca de 200 mil afetados pela doença no Brasil.
"Não se tem isso como prioridade no Brasil porque todos nós sabemos que a população negra ainda é marginalizada. As prioridades no Brasil não são essas que estão sendo atacadas."

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