São Paulo, segunda-feira, 2 de dezembro de 1996
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'FHC é executivo de investidor estrangeiro'

ANTONIO CARLOS SEIDL
DA REPORTAGEM LOCAL

Fernando Henrique Cardoso, de um político preocupado com o avanço do conservadorismo nos partidos de centro-esquerda, transformou-se no mais aplicado executivo dos grandes investidores estrangeiros.
É o que diz o cientista político norte-americano James Pettras, autor de 25 livros sobre movimentos sociais nos EUA, Europa e América Latina e um dos maiores críticos do neoliberalismo.
Pettras, 65, é professor da Universidade Estatal de Nova York. Foi, na década de 80, membro do Tribunal Russell contra a repressão na América Latina.
Durante sua estada no Brasil, na semana passada, ele deu a seguinte entrevista à Folha.
*
Folha - Há seis anos, o sr. teve uma reunião com o então senador FHC. Como vê o seu interlocutor de então na Presidência?
James Pettras - Nosso pensamento político tem hoje pouco em comum. FHC deu uma guinada forte para o espectro conservador. Há poucos pontos em comum para uma conversa hoje.
Folha - O presidente, a seu ver, mudou muito?
Pettras - Dramaticamente. Em nossa conversa em 1990, ele se queixava que o PMDB estava sendo dominado por políticos dispostos a transformá-lo em conservador. Ele me disse que por isso estava no PSDB, que seria autenticamente democrático e socialista.
Conversamos sobre suas preocupações: desigualdades econômica e social, reforma agrária. Isto está muito longe de suas alianças com o PFL e de sua aproximação com as multinacionais.
Folha - Qual é a sua impressão do Brasil sob FHC?
Pettras - Ele é provavelmente o executivo mais aplicado e convincente que os grandes investidores, banqueiros e agribusiness terão neste século.
Folha - Por quê?
Pettras - Da perspectiva de Wall Street, ele é um presidente ideal, capaz de impor diretrizes contra os sindicatos, que limitam salários e reduzem programas sociais com o objetivo de fazer o mercado de capitais brasileiro muito atraente.
Folha - Quais são as consequências dessa política?
Pettras - A curto prazo, o Brasil vai ser um lugar muito aprazível para o investimento estrangeiro.
A General Motors e grandes investidores estão olhando para o Brasil como um mercado emergente. Transformam o país, com toda sua complexa estrutura social, em apenas um mercado.
Folha - E a médio prazo?
Pettras - A médio prazo, teremos um desafio a essas políticas. O mais notável é o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que começa a tomar iniciativas para encontrar um modelo alternativo, de cooperativas de produtores de pequeno porte, abastecendo mercados locais e absorvendo mão-de-obra.
Temos nos EUA ecologistas e feministas, que lidam com estilo de vida, em vez de lidar com questões econômicas fundamentais.
Acho que se tivéssemos um movimento como o MST, Nova York não seria o equivalente de Calcutá, onde há padrões de vida de 50 ou 60 anos atrás no Harlem.
Folha - Quais são as características importantes do MST?
Pettras -É a crença na ação social organizada. Planejam muito bem seus atos e combinam mudanças sociais com produção. Não querem favores do Estado.
Têm uma visão do futuro para o resto da sociedade, não apenas para si próprios.
Folha - O sr. acredita, então, que o MST vai conseguir avançar?
Pettras -É a única história de sucesso no assentamento de famílias. Conseguiram o assentamento de cerca de 140 mil delas. Eu visitei algumas das cooperativas.
A solução para a violência e o crime passa pelo modelo do MST. É a solução para impedir a migração rural para as áreas urbanas.
Folha -Como o sr. analisa os primeiros dois anos do Plano Real?
Pettras - Está salvando o sistema financeiro, mas matando a economia verdadeira. O Brasil é capaz de obter uma taxa de crescimento de pelo menos 7% a 8%. Mas está virtualmente estagnado.
A indústria opera perto da capacidade plena em alguns setores, mas há uma taxa elevada de falência de pequenas e médias empresas. Os pequenos empresários e os desempregados estão se transformando em importadores e vendedores de bens importados.
Acho que o real, do ponto de vista da estabilidade monetária, é excelente, mas com um tremendo custo para economia.
O aquecimento do consumo é amplamente baseado em crédito e importações baratas. Essa não é a melhor maneira de construir uma economia durável.
A estabilidade do real é boa para os grandes banqueiros e empresários, mas está tolhendo as exportações brasileiras e investimentos significativos. Se não mudar, o país caminha para o tatcherismo.
Folha - Por quê?
Pettras -O modelo neoliberal na América Latina é um tipo de tatcherismo, semelhante ao da Inglaterra, onde as desigualdades sociais aumentaram.
É para isto que, apesar de alguma retórica social, o Brasil de FHC está caminhando.
Folha - Como vê o Brasil de 1997?
Pettras - As pessoas não estão se dando conta que o país não está lidando com pequenas mudanças. É um tipo novo de governo.
O presidente vai conseguir o que quer, como a privatização da Vale, por exemplo. Se não conseguir aprovação no Congresso, vai recorrer a uma medida provisória.
Começa a crescer um tipo de oposição em duas direções: uma positiva, na forma de ações coletivas, como o MST, e a outra negativa, na forma de uma onda ainda maior de crime e delinquência.
Folha - Como o sr. vê a questão da emenda para a reeleição?
Pettras -Acho que FHC vai comprar os votos. Nesse sentido, ele não é um neoliberal, porque usa o Estado e o Legislativo para obter favores.
Folha - E seria reeleito?
Pettras -No último ano de seu governo, vai aumentar os gastos sociais. Não digo que será reeleito, mas isso dá a ele uma grande vantagem sobre seus adversários, provavelmente Paulo Maluf e uma coalizão de esquerda.
A vitória de Fernando Henrique não é um resultado inevitável. O provável agravamento do desemprego e a possibilidade de repressão a movimentos sociais podem provocar a queda de sua popularidade e eventual derrota.

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