São Paulo, segunda-feira, 2 de dezembro de 1996
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"Um Corpo que Cai" volta restaurado

ADRIANE GRAU

FREE-LANCE PARA A FOLHA EM SAN FRANCISCO

Dois anos de trabalho trazem de volta o clássico do cineasta Alfred Hitchcock com as cores e os sons originais

Quando Alfred Hitchcock decidiu filmar "Vertigo" (um corpo que cai) em San Francisco, na década de 50, selou uma das mais interessantes uniões entre locação e roteiro da história do cinema. As ladeiras e fachadas de casas vitorianas combinam com o jogo de mistério e dissimulação que compõe a trama.
O azul da água da baía se reflete no dos olhos de James Stewart e Kim Novak.
Cercados por cores intensas do negativo em VistaVision e embalados por uma trilha sonora excepcional, os dois atores guiam o espectador por um idílico passeio pelos mais importantes pontos turísticos da cidade.
Mas, diferentemente de San Francisco, que mesmo após o terremoto de 1989 preserva a graça retratada pelo olhar do mestre do suspense, o negativo original do filme estava se deteriorando no depósito da Universal Studios em Los Angeles.
Para salvá-lo, entraram em ação Robert A. Harris e James C. Katz, a mesma dupla que restaurou "Lawrence da Árabia", "My Fair Lady" (minha bela dama) e "Spartacus".
"Escolher 'Vertigo' foi virar as costas para centenas de outros filmes que não têm mais salvação", resigna-se Katz.
Tudo começou há 12 anos, quando ele foi encarregado pela Universal de organizar uma excursão dos originais de Hitchcock em VistaVision.
"Percebemos que os negativos estavam empalidecendo e desistimos daquele projeto para começar as restaurações".
VistaVision
VistaVision é o sistema de negativos em 70 mm desenvolvido pela Paramount em 1953 para concorrer com o Cinemascope da 20th Century Fox.
"É uma vergonha, mas 50% dos filmes produzidos em cem anos de história do cinema estão ameaçados", afirma Harris.
Em vez de apenas limpar o original e em seguida copiá-lo, Katz e Harris se envolveram numa extenuante jornada de dois anos que custou US$ 1 milhão.
"Foi literalmente um trabalho quadro a quadro", afirma Harris. "Queríamos mostrar ao público cores e sons exatamente como Hitchcock os idealizou na sua produção original, que na época custou US$ 1,5 milhão".
Na busca de elementos originais, a dupla trabalhou com dicas como uma lasca da pintura de um Jaguar verde como o que Kim Novak dirige e o vestido que ela usa na segunda parte da trama.
Locais como o rosado Palace of Fine Arts e o restaurante Ernie's, com suas paredes forradas de brocado cor de vinho, foram visitados na tentativa de manter a fidelidade às cores da época.
Trilha sonora
A trilha sonora original, composta por Bernard Herrmann, também teve que ser restaurada nota por nota. Herrmann é o responsável por temas marcantes em outros filmes de Hitchcock, como "Psicose".
Trabalhou ainda para Orson Welles em "Cidadão Kane" e Brian de Palma em "Trágica Obsessão", a homenagem que este diretor prestou a "Um Corpo que Cai" em 1976.
"Uma greve dos músicos em Los Angeles interrompeu as gravações da orquestra conduzida por Muir Matheson num estúdio estéreo de três canais", relembra Herbet Coleman, o produtor-associado que foi o braço direito de Alfred Hitchcock.
"Tivemos que ir para Viena e terminar de gravar em mono, num sistema bem mais simples".
A peripécia acabou complicando a vida dos restauradores, que tiveram que buscar numa cópia do filme feita na Espanha, em 1983, um "remendo" que, equalizado, impede que haja uma mudança abrupta da qualidade da música durante o filme.
Para mostrar a cópia restaurada de "Um Corpo que Cai", a sala de projeção tem que ser equipada com sistema de som DTS Estéreo.
Os matizes surgidos dessa maneira permitem que a voz sexy e sussurrada de Kim Novak envolva o público no mistério de suas personagemns.
As cores intensas e a iluminação caprichada deixam claro por que o filme se tornou um clássico homenageado em outras produções, como "Uma Mulher para Dois" (1961), de François Trufaut, "Dublê de Corpo" (1984), de Brian de Palma, e "Garota 6" (1996), de Spike Lee.

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