São Paulo, segunda-feira, 2 de dezembro de 1996
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Besteirol cresce para a grande sátira

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Não é de teatro que se trata, nunca é, em acusação de plágio. Quanto mais quando envolve, como é o caso, não a forma, os diálogos, mas o próprio enredo.
"A Dama do Cerrado", lado a lado com "A Direita do Presidente", de dez anos antes, não é a mesma peça. Tem situação semelhante, passada no mesmo ano, mesma cidade, com trama próxima. Algumas frases ecoam, três dos quatro personagens levam os mesmos nomes, são os mesmos em suas construção.
Mas não é a mesma peça, como a shakespeariana "A Comédia dos Erros" não é a plautina "Os Menecmos", como "A Pena e a Lei" não é "Torturas de um Coração", ambas de Ariano Suassuna.
Ou não, talvez Shakespeare, escrevesse agora, acabasse acusado de plágio pelo autor da desconhecida "Ur-Hamlet", em que ele se baseou para escrever a maior das tragédias, ou ainda por Thomas Kyd, cuja trama e alguns personagens de "The Spanish Tragedy" ecoam em "Hamlet".
Mas não é de teatro que se trata, em acusação de plágio.
O episódio tem o questionável mérito de permitir acompanhar, lado a lado, o que diferencia o primeiro besteirol, aquele em que Vicente Pereira (morto em 93, com Aids) e o próprio Mauro Rasi escreveram "A Direita do Presidente", com o atual.
Este, de "A Dama do Cerrado" e de espetáculos como "5 x Comédia" (com textos de Mauro Rasi e Vicente Pereira), leva ao extremo os "impulsos de análise satírica da realidade", como escrevia Yan Michalski, dez anos atrás.
O crítico do "Jornal do Brasil" escrevia que os impulsos satíricos do primeiro besteirol eram superficiais, mas podiam "crescer". Pois cresceram, em "5 x Comédia", ou então, em "O Autofalante", de Pedro Cardoso, para dar outro e melhor exemplo.
Sobretudo, eles cresceram em "A Dama do Cerrado", na comparação com "A Direita do Presidente". A realidade, o cotidiano é exposto não apenas com o humor rasgado de antes, aliás, bem mais engraçado agora, mas com uma carga satírica cortante, uma gana de destruição.
"A Dama do Cerrado" não diverte apenas. É feita para machucar, com uma consciência que se pode descrever como civil, à Aristófanes.
Mauro Rasi cresceu para encontrar o seu melhor teatro, não no esforço supostamente existencialista, "teatrão", das suas peças do fim dos anos 80 e início dos 90, mas no próprio besteirol, que já nem é qualificação depreciativa. Popular e verdadeiramente satírico, o besteirol venceu.

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