São Paulo, segunda-feira, 2 de dezembro de 1996
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Sex Pistols são o Mozart da arte da provocação

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

"Acho que vocês sabem quem somos nós". Sessenta minutos depois da frase, um público composto em sua maioria por adolescentes já tinha uma razoável, surpreendente e estranha idéia do que foram, ou são hoje, os Sex Pistols.
1h05."Bodies', gritava John Lydon. O refrão e título da canção. Enquanto quase a totalidade da platéia usava preto, o símbolo máximo do punk se apresentava com roupas coloridas, algo que possibilitava uma rima cromática com seus cabelos em três cores.
"O inglês dele é péssimo. Ele fala tudo errado", uma garota bem próxima ao palco berrava para a amiga enquanto o guitarrista da banda, Steve Jones, tentava -honrosamente- dar pulos no ar, como em 1976.
As composições, com os hoje clássicos três acordes, ganhavam mais peso e distorção, ainda que involuntária, provocada pelas microfonias do guitarrista. Depois da terceira canção, apesar dos esforços, o clima era mais de decepção do que de felicidade.
1h25. Lydon está no centro do palco e surgem as primeiras notas de "God Save The Queen", o mais escandaloso sucesso dos Sex Pistols. 1h26, e os seguranças, na parte inferior, próximos ao palco, começam a retirar algodões e a tampar os ouvidos.
"Não há futuro, não há mais futuro para você", grita Lydon na letra de sua canção. Um copo plástico, ainda com água -ou qualquer tipo menos nobre de líquido-, é atirado da platéia e passa perto de sua cabeça.
"Não há futuro para o sonho brasileiro", canta Lydon alterando a letra original. Os Sex Pistols quase não se olham.
1h29. Um garoto, um dos muitos que repetiriam a mesma atitude, pula o pequeno cercado de ferro e tenta chegar próximo à banda. Rapidamente é agarrado e briga com dois seguranças. Perde a batalha. Lydon se anima.
Rio de Janeiro
"Vocês gostam do Rio? Aquele público morto", ele fala ao caminhar pelo palco com uma postura rígida, uma mistura de robô e soldado nazista.
1h40. É a vez de "Pretty Vacant". O grupo Cypress Hill, que já havia tocado antes, chega para assistir ao show. Os seguranças gesticulam e avisam que eles não devem ficar muito perto.
Steve Jones se aproxima de Lydon e eles discutem por meio de gestos com as mãos.
O vocalista faz caretas, cospe em direção ao chão, e mais um jovem da platéia é arremessado em direção ao grupo.
Ele cai, seguranças e policiais tentam erguê-lo, mas não conseguem. Rapidamente é encaminhado para a enfermaria. Uma possível torção na perna direita.
"Nós não nos importamos", é o o refrão cantado por Lydon. Jones recria seus solos de -agora- quatro acordes e, quando termina, volta para o microfone.
Um punhado de centavos de Real voa por sobre sua cabeça. Ele acompanha a trajetória das moedas, que caem perto da garrafa em que Lydon se abastece.
O baixista Glen Matlock continua concentrado. O Cypress Hill se retira, com seus membros sorrindo e comentando que "é muito barulho".
Fim
1h50. Os Sex Pistols se despedem da platéia sem qualquer gentileza. Permanecem fora do palco por cinco minutos e, após os ruídos escatológicos feitos por Lydon nos bastidores, retornam.
Rígido, Lydon canta em direção ao céu: "Eu sou o anticristo. Eu sou um anarquista. Eu não sei o que quero, mas sei como conseguir. Eu quero destruir". Os versos inicias de "Anarchy In The UK".
Mais uma vez, altera as letras. "Eu quero ser um anarquista em São Paulo". A platéia que antes xingava o grupo, pela ausência, mais uma vez encontra o que esperava dos Pistols: ironia e insulto.
Depois de mais uma canção, a apresentação termina. Os Sex Pistols tocaram durante uma hora e provaram que, apesar dos erros, da turnê por dinheiro e da falta de conhecimento musical, eles são ainda o Mozart da arte da provocação.

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