São Paulo, terça-feira, 3 de dezembro de 1996
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"Cláusula social" esconde medidas protecionistas

ANTONIO NETO

Um breve "vale a pena ver de novo" nos leva ao início deste ano, quando o grupo dos sete países mais ricos do mundo, o G-7, encerrava sua conferência em Lille, na França, sem uma solução para combater o desemprego e remetia a "cláusula social", a que vincula acordos comerciais às normas trabalhistas, para futuros estudos nos foros apropriados.
Antes disso, porém, durante as discussões que permearam os dois dias de conferência, o G-7 reafirmou seu compromisso com uma estratégia de "abertura comercial" e considerava a globalização da economia "irreversível".
Para enfrentá-la, concluíam os sete mais ricos, seria necessária a "flexibilização" do mercado de trabalho. E encerravam: investindo no "fator humano".
Paralelamente à divulgação mundial dessas declarações, que poderiam ser otimamente avaliadas em uma leitura não muito atenta, ficamos sabendo como, em suas próprias casas, alguns dos países mais industrializados flexibilizavam seu mercado interno e investiam no "fator humano".
Nos EUA, relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) denunciava que, nos dois últimos anos, a criação de empregos foi acompanhada de drástica queda salarial -"18% dos trabalhadores de tempo integral trabalham por menos do que a renda que marca a linha da pobreza", dizia o relatório; na França, a polêmica tese de oferecer um ano inteiro de férias a cada sete trabalhados tomava corpo.
Hoje, às vésperas da Primeira Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), que se realizará em dezembro, em Cingapura, nos deparamos com uma surpresa. Alguns dos países mais ricos do mundo querem proteger os direitos dos trabalhadores dos países pobres ou em desenvolvimento, onde, por certo, estamos nós, o Brasil.
Será que, finalmente, as preces dos trabalhadores e sindicalistas foram ouvidas? Há correntes sindicais que respondem "sim" em uníssono, entre elas a CUT e a Força Sindical, filiadas à Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres (CIOSL), braço do sindicalismo norte-americano que tudo faz pela pulverização dos sindicatos. Santa ingenuidade, diria o velho companheiro de luta de Batman.
Sob o pretexto de evitar a prática do "dumping social" pelos países que, à custa de mão-de-obra barata, trabalho escravo ou infantil, produzem mercadoria de menor custo, os mais ricos defendem a inclusão da "cláusula social" nos acordos internacionais do comércio, impondo sanções comerciais contra aqueles cujas práticas trabalhistas estejam em desacordo com os padrões mínimos de trabalho e de benefícios sociais atualmente vigentes nos países mais industrializados.
A contradição dessa proposta do G-7 é de fácil entendimento: arrocho de salários, corte de direitos sociais-trabalhistas -entre eles férias remuneradas, descanso semanal, 13º salário e licença-maternidade-, eliminação da aposentadoria para 70% dos trabalhadores e fim da estabilidade para funcionários públicos são componentes do neoliberalismo ditado por esses mesmos grandes, que agora querem leis que punam comercialmente os países que "flexibilizam" os direitos trabalhistas.
Engano crer, portanto, que os ricos estão preocupados com os pobres trabalhadores dos países pobres.
Eles estão, como bem disse o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Luiz Felipe Lampreia, "travestindo medidas protecionistas num mercado globalizado", zelosos em garantir a continuidade dos grandes cartéis comerciais.
O G-7, ao exigir a inclusão da "cláusula social" no encontro de Cingapura, está promovendo o pluralismo, atomizando o sindicalismo e, sobretudo, esvaziando a OIT -esse, sim, o foro apropriado para enfrentar e estabelecer normas de proteção às crianças, à maternidade, à saúde, ao emprego, enfim, aos direitos sociais.
E, só para explicar de vez o pseudo-respeito por eles exigido aos padrões mínimos de benefícios sociais: embora a conferência do G-7 tenha detectado, no início deste ano, a necessidade de investir no "fator humano", atualmente a Alemanha, um deles, tenta cortar direitos trabalhistas dos assalariados alemães.
O Japão, outro dos mais ricos, tem reduzido o período de férias remuneradas e aumentado o número de horas extras não remuneradas dos trabalhadores japoneses. E aí, haverá sanções comerciais contra eles mesmos?

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