São Paulo, quarta-feira, 4 de dezembro de 1996
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A emenda nº 9 e a Petrobrás

GASTÃO ALVES DE TOLEDO

A chamada "flexibilização" do monopólio do petróleo, trazida pela emenda constitucional nº 9, fez com que a Petrobrás perdesse a exclusividade do exercício dessa atividade em nome da União.
Desde seu advento, a emenda referida revogou o privilégio outorgado à estatal em 1953 e abriu espaço para que empresas privadas ou públicas participem do mercado petrolífero.
Por enquanto, a inexistência da lei que virá estabelecer as condições sob as quais a União contratará as atividades relacionadas ao petróleo e instituirá o órgão encarregado dessa tarefa, conforme pedido pela citada modificação, não significa que a Petrobrás possa continuar a agir como se ainda fosse executora do monopólio.
A emenda, por si só, teve eficácia suficiente para propiciar a abertura do mercado e a equiparação da Petrobrás a toda empresa que se interesse por dele participar se a União pretender ampliar a exploração de seu subsolo no que respeita às atividades por ela monopolizadas.
É um equívoco imaginar-se que um dispositivo constitucional possa ser totalmente ignorado porque a lei que deverá regular forma e condições de sua implementação ainda não existe. Tratando-se de norma cujos efeitos já impõem determinado comportamento à União, mesmo antes da edição da lei integrativa, seria um contra-senso admitir-se qualquer ação governamental em sentido oposto ao por ela indicado.
Com efeito, os melhores doutrinadores reconhecem que toda regra jurídica possui um mínimo de eficácia, seja ela constitucional ou ordinária, e, nesse caso, é evidente que não pode a administração federal permitir que a empresa se aproveite das delongas inerentes ao processo legislativo para ampliar sua já imensa participação no mercado, sob o falso argumento de inexistência da lei reguladora que virá dispor sobre o exercício plural do monopólio, voltada, sobretudo, para os aspectos adjetivos da organização e administração desse segmento econômico.
Em outras palavras, a empresa governamental que detém a exploração de quase todo o setor há mais de 40 anos tornou-se igual às demais no que respeita à exploração do segmento petrolífero e como tal deve ser tratada. Se todos são iguais perante a lei, também o são na ausência dela.
A emenda constitucional, além de ter o condão de sustar o aumento das atividades da estatal no mercado (sem que outras empresas sejam chamadas a competir, por essas e demais razões adiante expostas), impõe, também, a aplicação da lei que reprime o abuso do poder econômico, uma vez que não pode a Petrobrás, em virtude de sua posição avassaladoramente dominante, ampliá-la agora diante dos preceitos da legislação antitruste -aos quais não estava sujeita, quanto ao exercício do monopólio, por força da legislação que lhe conferia esta prerrogativa, a lei 2.004/53, cujos efeitos não mais subsistem neste aspecto.
Assim, com o advento da modificação constitucional revogadora desse privilégio, é preciso ter em conta que toda a ação da empresa está sujeita aos ditames da mencionada lei. Se não deve ser punida pela posição que hoje detém (porque fruto de mandamento legal), não pode também dela utilizar-se como se nada houvesse ocorrido.
Vale lembrar, ademais, que a emenda constitucional instituidora da nova situação jurídica traz a lume a impossibilidade de que, em licitação pública, sejam acrescidas novas atividades à estatal. Isso se dá porque, na ausência de lei especial para esse setor, aplica-se a lei geral de licitações públicas, fundada no artigo 37, 21, da Carta Magna, que submete a administração pública e as empresas governamentais a tal exigência.
Como se vê, durante o processo de transição inaugurado pela emenda nº 9, a União e a Petrobrás não podem agir como se esta ainda estivesse no exercício exclusivo do monopólio e insubmissa a outros preceitos jurídicos, de índole constitucional ou ordinária.
Tais regras devem servir de parâmetro às suas ações, prevalecendo, portanto, as normas gerais que dispõem sobre atividade econômica, cujos mandamentos existem para ser observados, sem exceção.
Se, para a Petrobrás, a emenda constitucional foi um alívio, no sentido de que lhe poderá propiciar maior independência das injunções políticas a que sempre esteve submetida, veio acarretar-lhe, também, maiores desafios e responsabilidades -dentre eles o de adaptar-se, desde logo, a um ambiente diverso, no qual devem observar-se os rigores da atividade competitiva-, sem o que a reforma pretendida terá sido em vão.

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