São Paulo, quinta-feira, 5 de dezembro de 1996
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"Psicose" chega às locadoras brasileiras

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

"Psicose" foi a aposta de um homem magoado. Alguns filmes muito caros a Alfred Hitchcock haviam decepcionado na bilheteria, como "O Homem Errado" (56) e "Um Corpo que Cai" (58).
O espaço que parecia cativo do grande mestre do suspense começava a ser ocupado por filmes baratos e sensacionalistas.
Nessas circunstâncias, o cineasta julgou que era preciso ser ainda mais sensacionalista, aterrador e surpreendente. "Psicose" é tudo isso, embora esteja longe de representar uma renúncia à sutileza.
Hoje mais ou menos todo mundo sabe quem é o culpado pela morte de Marion (Janet Leigh) e quem é a mãe de Norman. Na época, Hitchcock armou um sólido aparato para insuflar temor e medo em seus espectadores. Por exemplo: ninguém podia entrar no filme com a sessão começada.
As surpresas são inúmeras. A primeira delas, capaz de desestabilizar o universo de expectativas do público, foi a idéia de assassinar cruelmente a estrela do elenco -Janet Leigh, justamente- logo no primeiro terço do filme.
Desde aí, "Psicose" pode ser visto, de certa forma, como a luta do diretor contra as expectativas.
E não é um assassinato qualquer. Marion morre em um chuveiro, alvo de uma chuva de punhaladas, no tão sinistro quanto decadente Bates Motel.
O impacto da sequência pode levar a esquecer o início deslumbrante. A cena de amor proibido (por extramatrimonial) entre Marion e Sam Loomes; o desfalque que ela dá na firma; sua fuga incerta. Toda essa sequência é de uma sensualidade raras vezes igualada.
Até o assassinato, "Psicose" é um filme. Daí começa outro. No início, Hitchcock propõe um crescendo dramático, que começa com a cena de amor -a de abertura- e evolui até Janet Leigh entrar com seu carro numa estrada soturna e encontrar o sinistro Bates Motel e seu proprietário, Norman (Anthony Perkins).
Nesse segundo ato, dá-se uma inversão. Sai Marion e entra Arbogast (Martin Balsam). Saem o instinto, a paixão, o pecado (pois o furto que cometeu é um pecado, assim como o amor em que está envolvida) -em suma, a feminilidade. Entram o raciocínio, a frieza, a inteligência, representadas por Arbogast, o detetive. Entra também Lila (Vera Miles), irmã de Marion, mas logo sabemos que nada lhe acontecerá. Lila é inviolável, já que destituída de paixão.
Arbogast nos leva ao território da razão masculina, o único capaz de transmitir segurança ao público. O resultado é o que veremos.
O certo é que a quebra imposta à narrativa com a morte de Marion -bem mais emocional que dramática- dá à história um novo início. E, como tudo que aconteceu nas sequências iniciais deixa de ter sentido com a morte, o espectador agora já não sabe a que se agarrar para espantar sentimentos como insegurança e pavor.
Hitchcock vingou-se do público que o abandonava. Tratou-o com sadismo explícito, como a dizer: é isso que você queria, então tome.
Era o que o público queria. "Psicose" foi o maior sucesso da carreira do diretor. O melhor, porém, vem agora, 26 anos depois, quando suas práticas foram imitadas ou copiadas. As surpresas que o filme reservava ao espectador não são mais inéditas. Mas permanecem únicas e, nessa medida, intactas. O pavor será menor, mas o prazer de "Psicose", hoje, é o da pura obra-prima.

Vídeo: Psicose
Produção: EUA, 1960, 109 min.
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Anthony Perkins, Janet Leigh, Martin Balsam, Vera Miles, John Gavin Lançamento: CIC (tel. 011/816-0852)

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