São Paulo, sexta-feira, 6 de dezembro de 1996
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Repórter cada vez sabe menos sobre mais coisas

BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA FOLHA

Aconteceu no caso da escola Base, lembra? Os donos da escola, professores e funcionários foram sumariamente condenados na imprensa por crimes contra crianças, que nunca cometeram.
Depois houve o caso bar Bodega. Com a conivência da imprensa, outros inocentes estariam até hoje mofando na cadeia -e os verdadeiros culpados livres para cometer novos crimes-, não fosse a corajosa atitude de um jovem promotor.
Teve ainda o caso das absurdas conclusões sobre a queda do vôo 402 da TAM. De novo, a imprensa se precipitou e, sabe-se lá por que, acabou transformando o piloto em herói e o telefone celular em vilão.
Agora a história se repete no caso do menino Deivyson, que diz ter sido sequestrado por vingança e mantido em cativeiro por mais de dois anos. Ocorre que ontem, depois de sofrer espancamentos na delegacia, o suposto algoz apresentou sua versão dos fatos, confirmada por testemunhas.
Pois eu pergunto: até quando, ó senhor, a imprensa irá publicar opiniões ouvidas de orelhada de alguma "otoridade" que não sabe o que está falando ou só quer aparecer?
Claro, as decisões, especialmente em jornais diários, têm de ser tomadas com extrema rapidez. A pressão é enorme. E a profissão de repórter pode ser comparada a ter de participar diariamente de uma gincana. Um dia ele está cobrindo um desastre aéreo, no outro, um massacre no Carandiru. Dificilmente ele será um especialista em mais de duas ou três áreas -e olhe lá.
Recentemente, em uma palestra sobre jornalismo no colégio Arquidiocesano, para espanto dos alunos, afirmei que a maioria dos erros de avaliação cometidos na imprensa não são propositais. Ocorrem por ingenuidade, incompetência ou burrice. Muita gente pensa que o repórter é um sujeito astuto e que, quando ele comete um erro de avaliação, o faz maliciosamente "para vender mais jornal". Pois se jornalista tivesse algum talento para o comércio seria publicitário e ganharia o dobro.
Mesmo assim, se a imprensa não quer que o leitorado surte de vez, por ser forçado a engolir versões completamente diferentes a cada publicação que lê, é bom voltar a praticar o bom e velho jornalismo investigativo, mantendo um pé atrás com as fontes e deixando de lado conclusões brilhantes.

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