São Paulo, sábado, 7 de dezembro de 1996
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Suassuna apresenta seu 'Romeu e Julieta' em 'aula'

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

"Queiram ou não queiram os juízes, o nosso bloco é de fato o campeão..." Ariano Suassuna encerrou a aula-espetáculo de anteontem, no Brincante, cantando o refrão de um ano antes, ao lado de Antônio Nóbrega.
Mas o verso que empolgou, ano passado, mais parecia slogan de campanha política, desta vez. Já o era, ano passado, mas agora, em nova aula-espetáculo, o proselitismo, ou a "aula", propriamente, em defesa da cultura nacional e popular, venceu, sobrepujou o "espetáculo".
O dramaturgo, agora mais secretário de Cultura, estava cansado. Viajou pelo sul, do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Sul, em defesa de uma arte brasileira, que vê ameaçada, sobretudo por aqui. Uma consciente cruzada entre os "ateus" e "hereges".
Chegou a São Paulo, onde fez as últimas apresentações, sem o viço sebastianista de antes. Também o público mais parecia de alunos ou correligionários, ou "fãs", do que de espectadores. Talvez tenha passado o momento da aula e seja chegado um outro, o da arte.
O próprio Ariano Suassuna parece ter consciência e tomou boa parte da aula-espetáculo de anteontem com a leitura de sua nova peça em versos, a adaptação de uma obra de cordel sobre o tema de Romeu e Julieta.
Antes e durante, contou casos engraçados, alguns também já ouvidos na aula-espetáculo anterior, e fez uma exposição rápida sobre a tragédia e o drama, o que chama de "doloroso" -o "risível", com a comédia e o humor, ficou para o dia seguinte, ontem.
Com certo atropelo, mostrou fotos de pinturas rupestres e da "coragem da cor" da arquitetura popular, defendeu o sebastianismo e entrou pela peça.
Uma leitura dramática, quanto mais realizada sem elenco e com evidente cansaço, não revela inteiramente uma obra. "A História do Amor de Romeu e Julieta", aliás, poderia ter sido apresentada já na forma encenada pelo sobrinho Romero de Andrade Lima, três semanas atrás, em Recife.
Autor e diretor de "Auto da Paixão", ele trabalha com extrema delicadeza e alcança a revelação em peças assim, em que o teatro se faz mais como celebração, como auto de características as mais simples e fundo moralizante.
Com um Ariano Suassuna próximo de perder a voz, a leitura arrastou-se, exigindo explicações seguidas, cortes e paralisações para contar alguns casos que mantivessem a atenção do público -explicações e paralisações feitas pelo autor, aqui antes o analista da arte popular do que o artista.
E se trata de uma obra "sertaneja", de um mundo "sertanejo", algo distante, com certeza, do que se vive hoje em São Paulo e nas demais metrópoles sulistas.
Ou não, talvez existam mais ensinamentos, outros ainda, novos, de uma moralidade adormecida por aqui, sobretudo no que é a singularidade da peça e do folheto que inspirou a peça -a lição de que "Romeu foi falso a seu pai", à sua família, ao seu clã, e vem daí seu infortúnio.
Também é uma inesperada tragédia -ainda que uma tragédia "incompleta", no rigor do professor Ariano Suassuna, porque "A História do Amor de Romeu e Julieta" não contém protagonistas "acima do comum". O talento do comediógrafo paraibano busca outro caminho, nessa que é sua primeira peça depois de oito anos; e ainda assim, oito anos atrás e por duas longas décadas, apenas com pequenas farsas, com "entremezes", no caminho.
Uma tragédia popular, em cujo conflito moralizante há traços de celebração religiosa. Também o risco de uma tragédia em versos rimados, simples, populares que sejam, mas com imagens poéticas únicas. Ariano Suassuna, não tem jeito, é sempre novo.

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