São Paulo, domingo, 8 de dezembro de 1996
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Clóvis Carvalho é o "fusível" do Planalto

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Logo que assumiu o cargo no Planalto, o ministro Clóvis Carvalho mandou instalar uma mesa de trabalho na sala em que, havia anos, os políticos eram recepcionados na Casa Civil.
A mudança sinalizou que, na sua gestão, a Casa Civil não seria mais um ponto de encontro de políticos, mas um local destinado às reuniões de coordenação do governo.
A mudança transformou o ministro no inimigo número um dos aliados governistas, que passaram o primeiro de ano de governo pedindo sua cabeça.
Quase dois anos depois, Clóvis Carvalho acostumou-se às críticas, engrossadas ultimamente por ministros, e firmou-se como o mais prestigiado assessor do presidente Fernando Henrique Cardoso.
As queixas fazem parte da principal missão que lhe foi delegada. Ele é o "fusível" do Planalto, classifica FHC. Cabe ao ministro poupar o presidente de missões ou cobranças desagradáveis.
Carvalho funciona ainda como anteparo a pressões. É uma espécie de ministro feito para apanhar.
Para amortecer as pancadas, o chefe da Casa Civil segue à risca um "projeto-saúde" de vida natural. À chuva ou ao sol, com ou sem crise no governo, Carvalho caminha todas as manhãs.
Em seu gabinete, cultiva o hábito de fazer "lanchinhos" à base de uma multimistura com jeito de poção mágica -um supernutriente, guardado em um pote atrás da sua mesa, feito com pó de folhas verdes, cascas de ovo e farelo de arroz.
A sala reformada, vizinha ao gabinete, no quarto andar do palácio, serve de mapa para quem quiser entender o ministro que o presidente apresentou no início do seu governo como seu "segundo".
A enorme mesa lá instalada, por exemplo, é um símbolo da maior mania do ministro: reuniões.
Cadeiras
Na sala anexa ao gabinete, Carvalho reúne as sete câmaras setoriais que preside, encarregadas de pôr em sintonia a ação dos colegas da Esplanada. São as câmaras de política econômica, política social, política regional, de infra-estrutura, recursos naturais, comércio exterior e reforma do Estado.
Mesmo tendo perdido a presidência do Conselho Nacional de Desestatização, que comanda a venda de estatais, e se afastado do polêmico preenchimento de cargos de confiança, ele é quem mais acumula tarefas no Planalto.
É tanta reunião em seu gabinete que as cadeiras não resistiram ao constante senta-e-levanta. A maioria quebrou, e o episódio virou pretexto para Clóvis Carvalho reclamar do "engessamento" da administração pública.
Depois de enfrentar a teia da burocracia para fazer uma mera troca de cadeiras, o ministro passou a lamentar com mais insistência a distância da iniciativa privada.
Quando tem chance, Carvalho diz que voltará em breve à vida empresarial. Antes de ir trabalhar com FHC como secretário-executivo do Ministério da Fazenda, ganhava a vida como vice-presidente das Indústrias Villares. O salário era, no mínimo, duas vezes maior que o de ministro (R$ 8.000).
Ele sempre reclama disso. Costuma dizer que perde dinheiro trabalhando no governo. No início, quando ainda estava no Ministério da Fazenda, chegou a dizer que era obrigado a gastar dinheiro que havia poupado no passado.
Na maior parte do tempo, o engenheiro mecânico, bacharel em letras e filosofia, ex-seminarista e adepto radical da alimentação natural Clóvis de Barros Carvalho, 58, trata de encampar e defender as teses do chefe sem hesitação.
O ministro guarda para si idéias como a defesa do parlamentarismo -uma bandeira que o presidente e os tucanos em geral abandonaram faz tempo.
Fidelidade, discrição, capacidade de organização e um otimismo quase inabalável são os atributos que FHC mais admira no assessor indicado por Sérgio Motta (ministro das Comunicações) e pelo senador José Serra (PSDB-SP) na época da montagem do Real.

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