São Paulo, domingo, 8 de dezembro de 1996
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Roberto Carlos lança o Natal da reeleição

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Assim como maio é o mês das noivas, dezembro é o mês dele, Roberto Carlos. Há mais de 20 anos, ele é o papai-noel e o peru de Natal de todos nós. Ninguém passa o fim-de-ano sem ele.
Ele é a mistura perfeita entre a Virgem Maria e o cantor de motel, a reunião do que há de carola e sensual, conservador e libidinoso na cultura brasileira. Na virada de ano, o "rei" encarna como ninguém o sonho de reconciliação do Brasil consigo mesmo.
Nada mais eficaz, então, do que iniciar a campanha pela reeleição usando o "rei" Roberto como principal cabo eleitoral. Já estava demorando, mas foi o que fez a Globo no domingo passado, durante a sua longa participação no programa do "Faustão".
Foi uma jogada de mestre. No meio daquela baderna de auditório, entre as bajulações de praxe do apresentador, piadas e sacanagens de almanaque, uivos histéricos da platéia e outras tantas "emoções", Faustão cava a pergunta e já abre o caminho para a resposta. O "rei", imbuído de seu papel histórico, sempre "ao lado do povo", diz que não entende nada de política (no que aliás tem toda razão) e faz a defesa da reeleição em nome da continuidade do que está dando certo e blá, blá, blá...
Tudo já era suficientemente claro, mas, para dar o toque final ao "Diário Oficial" do Faustão, o próprio puxa um bilhete do bolso e começa a ler. Era uma homenagem do outro "rei", o verdadeiro, agradecendo seu xará pelas infinitas contribuições à cultura nacional. Assinado, ele mesmo, Roberto Marinho. A cena estava completa.
Não é difícil avaliar o alcance de uma manobra como essa. Ela é infinitamente mais convincente do que qualquer editorial lido no "Jornal Nacional". A Globo, aliás, tem deslocado os temas políticos que lhe interessam do noticiário para programas de grande audiência. Exemplo disso são os longos, didáticos, inverossímeis e bocejantes sermões do senador Caxias pela reforma agrária, em "O Rei do Gado".
E por falar em bocejo, Roberto Carlos não esteve sozinho em sua cruzada pró-reeleição no domingo passado. Quem folheou o caderno Mais! no mesmo dia, topou com um longo artigo intitulado "Reeleição e Maturidade Política", assinado por Celso Lafer, atualmente embaixador-chefe da missão brasileira junto aos organismos internacionais em Genebra.
O texto do embaixador era pomposo como o nome do cargo que ocupa. Quem teve a paciência de lê-lo, no entanto, deve concordar que suas conclusões eram muito próximas das de Roberto Carlos. Entre a absoluta falta de argumentos deste e os intermináveis bordados retóricos daquele é difícil discernir o que aborrece mais.
Não deixa de ser curioso que a chacrinha eletrônica de Fausto Silva e a intervenção pública de um intelectual acabem tendo o mesmo efeito de empulhação.
No primeiro caso, a entronização de FHC se dilui na confusão circense do programa; no segundo, o mesmo desejo de reentronizar o chefe se esconde atrás da prosa do bacharel, das cachimbadas de erudição, do uso das luzes a serviço da mistificação.
Para que, afinal, jogar papel fora quando se sabe que o mesmo personagem, há poucos anos, apegou-se a seu cargo de ministro até os últimos suspiros do governo Collor em nome da... governabilidade? Porque essa mania, que parece congênita ao tucanato, de querer sempre universalizar interesses particulares? Não é preciso gastar tanto latim. Afinal, a reeleição, como dizem os aficcionados em turfe, é a barbada da década.
Daqui em diante será assim. Na divisão social do trabalho pró-reeleição, ideólogos (Lafer e cia.) e propagandistas (Roberto Marinho etc.) vão desempenhar funções complementares. Os primeiros inventam o chantilly teórico do bolo e os segundos se ocupam da massa, que é a alma do negócio.

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