São Paulo, segunda-feira, 9 de dezembro de 1996
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O povo é descartável

DARCY RIBEIRO

Reuniram-se em Brasília, na semana passada, 2.640 representantes de 11 confederações, 152 federações e 1.416 sindicatos de trabalhadores, para discutir e decidir como enfrentar a onda antitrabalhista que rola pelo Brasil.
É bom mesmo que tratem de se defender e que ponham a boca no mundo.
Efetivamente, os trabalhadores têm que se conscientizar sobre a guerra mortal que está sendo travada contra eles pela mídia, por grande parte do Parlamento e por parcelas consideráveis da opinião pública, inadvertida e doutrinada ideologicamente sobre essa matéria.
Três são as questões básicas postas em discussão. Primeiro que tudo, a contribuição sindical obrigatória, que querem proscrever, alegando que ela só serve para manter uma corporação de pelegos.
Na verdade, a contribuição sindical obrigatória é a maior invenção social brasileira. Foi ela que possibilitou a criação do frondoso sistema sindical que temos e que ocupa centenas de milhares de servidores atendendo a milhões de trabalhadores.
Proscrita para se manter o sindicato por pagamento voluntário de cada trabalhador, todo nosso sistema sindical ruiria. Apenas sobreviveriam, se sobrevivessem, os grandes sindicatos, como o dos metalúrgicos, por exemplo.
Outra luta se trava contra a unidade sindical, que é importantíssima conquista do movimento operário brasileiro. Pretende-se, em lugar dela, instituir o sistema norte-americano de sindicato por empresa, o que constituiria também um desastre para os trabalhadores.
Uma terceira batalha é a que pretende anular a estabilidade no emprego, que já foi drasticamente reduzida pela ditadura. As novas regras que querem implantar estimulariam o desemprego, já catastrófico.
Abandonaríamos nossa tradição, semelhante à japonesa, que vê cada trabalhador como parte da empresa que ajudou a fazer crescer e que não pode, assim, ser tratado como coisa descartável.
O patronato e seus aliados políticos, inclusive o PT, querem desatrelar o Brasil de seu passado trabalhista para atrelá-lo ao pluralismo sindical e à irresponsabilidade social frente à força de trabalho dos sistemas europeu e norte-americano.
É o novo capitalismo, aceso de furor neoliberal, querendo abandonar todas as concessões que terá feito aos trabalhadores para lançá-los na marginalidade e na exclusão.
Cada trabalhador brasileiro tem que se conscientizar de que essa luta mortal é para destruí-lo, a fim de que os países poderosos fiquem mais poderosos e os ricos fiquem mais ricos.
Numa conjuntura de desemprego como a que enfrentamos, agravada pelo privatismo irresponsável que o governo promove, essa política antitrabalhista só representa atraso para o Brasil e mais miséria para o povo trabalhador, tornado descartável.

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