São Paulo, segunda-feira, 9 de dezembro de 1996
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Registros do uísque já têm cinco séculos

CELSO PINTO
ENVIADO ESPECIAL AO REINO UNIDO

Não há nada mais escocês do que o uísque, a gaita de fole e o kilt, a saia de lã quadriculada feita nas cores correspondentes aos diversos clãs e usada pelos homens.
Portanto, não há nada mais chocante a descobrir sobre o uísque do que saber que ele pode ter nascido na Irlanda.
Não que alguém vá lhe mencionar isso quando você desembarcar na Escócia. O fato, contudo, é que alguns historiadores atribuem aos monges católicos irlandeses, que já produziam vinho, cerveja e licor, a invenção do uísque, destilado de cereais, no século 12.
Os escoceses, é claro, preferem a versão de que foram os celtas que trouxeram a técnica da destilação de cereais da Europa. A palavra, em si, tem origem celta: "uisge beatha", ou "água da vida", e o primeiro registro escrito sobre a existência do uísque data de 1494. Da Escócia, naturalmente.
Mesmo que a primazia da invenção do uísque tenha sido dos monges irlandeses, é indiscutível que sua história está tão ligada à Escócia quanto a Escócia está ligada ao uísque.
O "scotch" é a bebida mais internacional do mundo, presente em mais de 200 países, gera o equivalente a US$ 3,4 bilhões em exportações para a Escócia, mais do que o petróleo do mar do Norte, e é o principal responsável por tornar mundialmente conhecido esse pequeno e charmoso país com 5 milhões de habitantes.
Há várias boas razões para ir à Escócia, e certamente conhecer as destilarias de uísque é uma delas.
Mesmo que tenha, para isso, de enfrentar o legendário mau tempo escocês.
Dizem que, para saber o tempo na Escócia, basta olhar o céu: se você vir nuvens, é porque vai chover, se não conseguir vê-las, é porque já está chovendo.
A história do uísque é fascinante e está entranhada nas principais destilarias. Ainda que hoje o negócio do uísque esteja fortemente concentrado -a United Distillers é dona de um terço das mais de cem destilarias da Escócia-, a origem é familiar, secular e o processo de produção se mantém, em grande medida, o mesmo.
Conhecer o uísque escocês, contudo, pode ser mais complicado do que pareceria a um bebedor eventual de "scotch".
Existem pelo menos três grandes "famílias" de uísque, associadas a três regiões diferentes, com atrações e charmes muito distintos.
Legalmente, um "scotch" é um destilado na Escócia, envelhecido pelo menos três anos em barris de carvalho. A realidade é bem mais complicada.
O uísque tradicional dos escoceses é o puro malte, um destilado de cevada maltada processado em uma única destilaria.
É o ramo "nobre" da família, normalmente mais envelhecido, mais caro e tomado pelos escoceses apenas com um pouco de água sem gelo, uma forma de "abrir" os aromas do malte.
O processo de destilação é feito em alambiques de cobre altos e elegantes, bojudos na base e com uma haste curva no alto, lembrando um pescoço de ganso.
Dizem que um dos segredos do gosto de um malte vem do formato de seu alambique, daí por que ele é mantido idêntico há gerações, e tanto sua construção quanto sua reparação é feita por artesãos muito valorizados.
A mais famosa região produtora de maltes é a do vale do rio Spey, que reúne 46 entre as mais famosas destilarias da Escócia.
A mais visitada é a de Glenfiddich, pioneira em receber turistas e organizar visitas, mas as principais destilarias estão abertas a quem quiser conhecê-las.
Conheci duas destilarias da região: Cardhu -de onde vem o malte central usado na fabricação do Johnnie Walker, o uísque mais vendido no mundo- e Dalwhinnie -responsável pelo malte central do Buchanan's, um best seller na América Latina, onde estão quase 90% de suas vendas.
Cardhu, fundada em 1824, foi a primeira destilaria escocesa dirigida por uma mulher. Recebe 25 mil turistas por ano, é charmosa e incrustada numa região de lindas colinas e vales, onde você cruza, no caminho, com faisões e perdizes selvagens.
Dalwhinnie é a mais alta destilaria na Escócia, normalmente cercada de neve entre os meses de novembro e março.
Outra atração da região é a pesca do salmão nos rios Spey, Tay e Dee, para quem se dispuser a pagar até US$ 250 por dia pela licença de pesca. O vale do Spey é parte das "Highlands", as Terras Altas do norte da Escócia.
Uísque hebridense
A segunda mais importante região produtora de uísque é a de algumas ilhas Hébridas, especialmente a ilha de Islay (que os escoceses pronunciam "ailá"), além das ilhas de Skye e de Jura.
Os maltes das ilhas têm enorme personalidade: gosto fortemente defumado, pelo uso generoso da turfa na secagem da cevada.
A terceira região produtora é a das "Lowlands", as Terras Baixas mais perto de Edimburgo e de Glasgow. É aí, principalmente, que se faz o uísque de grão, especialmente trigo e milho, destilado num processo contínuo, moderno, mais barato e sem nenhum charme.
É esse tipo de uísque, de todo modo, que forma a base do "blended", a bebida que nasce da mistura de dezenas de maltes e muito uísque de grão.
O "blended", nascido em meados do século passado, é o uísque normalmente bebido em todo o mundo e foi a alavanca que tornou a bebida sucesso internacional.

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