São Paulo, quarta-feira, 11 de dezembro de 1996
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Psiquiatria de remédios

ANTONIO MOURÃO CAVALCANTE

Estive participando em Belo Horizonte, em novembro, do 14º Congresso Brasileiro de Psiquiatria. Confesso que tomei um susto! O Brasil está mergulhado em uma profunda depressão, se julgarmos pela quantidade de fármacos -rotulados no genérico como antidepressivos- colocados à disposição da classe médica.
Nosso povo, outrora tão risonho e cordial, parece mergulhado numa profunda crise depressiva. Toda patologia afetiva e mesmo orgânica pode "esconder" uma depressão. Será que é assim mesmo?
Por outro lado, senhores de paletó e gravata, com "slides", vídeos e literatura em profusão, brochuras as mais sofisticadas possíveis, com gráficos e tabelas coloridas de deixar qualquer um de queixo caído (Caramuru! Caramuru!), demonstravam à exaustão que os sintomas e reações encontrados em nossos pacientes são devidos basicamente a problemas com os neurotransmissores.
Chegamos. Aliás, a ciência consegue agora revelar o que se passa no mais íntimo dos neurônios, para constatar essas extraordinárias transformações. As explicações confortam, ou melhor, seduzem, os que se imaginam cientistas.
Fiquei assustado em ver a adesão de alguns colegas, outrora ardorosos defensores das práticas de psiquiatria social ou das investigações, de iniciativas ligadas ao comunitário etc. Hoje, estão todos antenados nas catecolaminas e seus recaptadores.
Por que não pensei que a tal globalização poderia também atingir o mercado das emoções? Pois bem, chegou com toda a força.
Os tais remédios invadem o nosso mercado, sem nem trocar de rótulo, por um nome mais poético e local. Seduzem consciências, restringem o campo de percepção e intervenção do profissional ao meramente biológico, esquecendo, por exemplo, que temos olhos para ver, ouvidos para ouvir, boca para falar e gustar. Muita coisa em relação com o exterior, que não se restringe aos "meus" neurônios e meus neurotransmissores.
Claro que, nesse processo mundial, os psiquiatras também devem se enquadrar. A indústria farmacêutica impõe as regras. Dita as doenças. Determina os padrões terapêuticos. E, apoiada na adesão "cavilosa" de alguns profissionais, ávidos por prestígio arranjado, fazem a farra da droga. A fatura é alta. O lucro corre fácil. Está descoberto um imenso filão!
Fiquei muito preocupado com o que vi. Psiquiatras virando garotos-propaganda de laboratórios atentos ao lucro...
Espero que seja apenas uma moda. Pois, como dizia Millôr Fernandes, moda é tudo aquilo que cai de moda...

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