São Paulo, quarta-feira, 11 de dezembro de 1996
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Economia e teologia

ANTONIO DELFIM NETTO

É sempre uma alegria deparar com um trabalho de pesquisa objetiva, que procura quantificar suas afirmações, que constrói cuidadosamente o seu raciocínio e economiza nos adjetivos.
Os economistas Maurício Mesquita Moreira e Paulo Guilherme Correa acabam de publicar uma pequena jóia: "Abertura Comercial e Industrial -O que se Pode Esperar e o que se Vem Obtendo" (texto para discussão nº 49, BNDES/AP/Depec, outubro de 1996).
Todos deveriam ler o trabalho para entender as virtudes da abertura econômica e compreender os riscos que ela corre devido à escolha de um caminho equivocado para a política cambial.
As primeiras páginas do trabalho sintetizam de maneira muito competente os novos argumentos que insinuam as vantagens da abertura comercial e resumem as pesquisas empíricas que sugerem a sua validade.
Afinal, o que alvitram essas proposições que parecem não ser rejeitadas pelas pesquisas empíricas, isto é, que podemos considerar como conhecimento "científico", produzido pela boa teoria econômica?
Elas são as seguintes: 1) a necessidade de que a abertura seja acompanhada, num primeiro momento, por uma desvalorização real da taxa de câmbio e pela sua estabilização no médio e longo prazo; 2) a desvalorização real é justificada por dois motivos: a) pelo imperativo de reduzir o viés antiexportação característico dos regimes fechados e de reequilibrar o balanço de pagamentos depois da eliminação das barreiras tarifárias e não-tarifárias; b) pela necessidade de compensar uma usual rigidez para baixo dos salários nominais e outros preços de produtos não-comerciáveis, que poderia comprometer a rentabilidade dos bens comerciáveis; 3) a estabilidade da taxa cambial real é necessária para dar suporte à expansão do setor exportador, evitando-se assim possíveis crises no balanço de pagamentos; 4) uma desvalorização nominal da taxa de câmbio no início da abertura parece ser condição necessária para obter uma desvalorização real e 5) uma desvalorização da taxa de câmbio real no processo de abertura parece estar claramente associada à sobrevivência dessa política.
É isso o que diz a boa teoria econômica. E a prática a confirma. Mas o que se fez? Exatamente o oposto: valorizou-se o câmbio real! Trata-se de pura teologia ou mágica besta, que nada tem a ver com a teoria econômica.
O que está feito é do interesse dos especuladores do mercado financeiro, que transformaram a taxa cambial no mais indecente instrumento de exploração dos produtores e trabalhadores brasileiros, para benefício próprio e dos aplicadores estrangeiros que representam. Eles obtêm no Brasil as maiores taxas de retorno graças à ausência de qualquer risco.
O trabalho termina dizendo que "as recomendações da literatura e a experiência de outros países não deixam dúvidas quanto aos riscos, tanto micro como macroeconômicos de um processo simultâneo de liberação comercial e apreciação cambial".
Os autores (como todos) não sugerem uma "desvalorização" cambial e sabem das ligações desse problema com a questão fiscal, mas terminam dizendo: "É preciso, no entanto, que a sociedade fique consciente dos riscos que está correndo...".

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