São Paulo, quinta-feira, 12 de dezembro de 1996
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Economistas brasileiros

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Na segunda-feira que vem, teremos aqui em São Paulo o lançamento do livro "Conversas com Economistas Brasileiros", organizado por Ciro Biderman, Luis Felipe Cozac e José Marcio Rego.
A obra consiste, basicamente, em entrevistas com 13 economistas de diferentes gerações e tendências: Campos, Furtado, Delfim, Conceição Tavares, Bresser, Simonsen, Pastore, Bacha, Belluzzo, Arida, Lara Resende, Giannetti e eu próprio.
Como vocês sabem, os macroeconomistas constituem uma tribo ao mesmo tempo vaidosa e facciosa. Algumas entrevistas são uma sucessão de poses, acompanhadas de farpas em direção aos colegas.
O próprio formato do livro já convidava à expansão da vaidade. Fizeram-nos perguntas que normalmente só são dirigidas a Prêmios Nobel ou coisa que o valha: "Onde você estudou? Quais foram os seus principais professores e influências intelectuais? As suas principais pesquisas e publicações?" etc., etc.
Já posso imaginar o dia do lançamento. Os paulistanos, natos ou adotivos, estaremos todos lá, felizes, perfilados, recebendo cumprimentos, portando cada qual a sua imaginária medalha ao peito. (Menos o Belluzzo, que só sai de casa quando é inevitável.) Todos com ar indubitável de Prêmios Nobel.
Pode parecer que estou exagerando. E, de fato, estou. Mas a verdade é a seguinte: ao contrário do que muitos imaginam -ou do que sugere a pose de alguns de nós-, o economista brasileiro é um pobre e humilde ser. Essas entrevistas foram um extraordinário laguinho para o nosso maltratado narcisismo.
Há exceções, é claro. A principal é Celso Furtado -aliás, uma unanimidade entre os entrevistados. O seu depoimento é um dos pontos altos do livro.
Em alguns momentos, os entrevistadores se excederam. Foram condescendentes com os entrevistados. Cometeram até a temeridade de indagar a respeito das nossas idéias.
Foi uma imprudência. Estimularam-nos a dar vazão à nossa notória falta de autocrítica. O resultado foi, às vezes, constrangedor.
Passagens cômicas do livro são as disputas, mal disfarçadas, pela paternidade de certas "teorias" ou "idéias". O número generoso de "pais" destoa da magreza das idéias em questão. Alguns dos entrevistados lembram um bando de cães famintos brigando por um osso descarnado. Um deles chega ao ponto de encontrar um embrião de uma dessas "teorias" num dos seus trabalhos de faculdade... (Este parágrafo vai me custar algumas antipatias.)
Razão tem o Delfim, que, perguntado sobre a origem de uma dessas supostas teorias, respondeu: "Meu Deus, se isso é teoria minha avó era bonde elétrico e urubu é Boeing 707."
Quem conhece o meio sabe perfeitamente que prevalece uma grande escassez de idéias. A escassez é tal que, como diz a Conceição em seu depoimento, "todo mundo aqui se apropria das idéias alheias".
Mais correto é dizer que, no mais das vezes, não há propriamente idéias originais. Em geral, as supostas idéias e propostas de política econômica são meras reproduções do que se produz nos centros acadêmicos internacionais, especialmente nos EUA, ou nos organismos multilaterais, como o FMI ou o Banco Mundial. Transpostas mais ou menos mecanicamente para a realidade local.
Devo confessar que eu mesmo me deixei levar pelo clima da entrevista. Comecei a discorrer sobre a minha biografia, formação, leituras, produção intelectual etc. Mas, de repente, baixou um raro momento de autocrítica. Fui salvo do ridículo total pela lembrança de uma anedota exemplar.
Certa vez, Einstein veio visitar o Brasil. Creio que foi nos anos 30 ou 40, por aí. Percorreu os pontos turísticos do Rio de Janeiro acompanhado de um grupo de autoridades, professores e intelectuais.
Entre eles, estava o então jovem Austregésilo de Athayde, aquele que depois seria, por longo tempo, presidente da Academia Brasileira de Letras.
Austregésilo anotava furiosamente todas as observações do grande físico. A uma certa altura, não se conteve e exclamou: "Mestre, não tomas notas de tuas idéias?" E o Einstein: "Mas como, meu filho, se eu só tive uma?"
Mas nada disso tira o mérito dos organizadores do livro, que o fizeram com grande profissionalismo e competência. Produziram um retrato em corpo inteiro das nossas contribuições, qualidades e deficiências. E ainda conseguiram dar forma a um material às vezes ingrato.
É preciso ter paciência e tolerância. Não se pode, afinal, esperar tanto dos economistas. Já fazem muito quando se mostram capazes de assimilar razoavelmente o conhecimento acumulado em algumas áreas da disciplina para, a partir daí, produzir análises cuidadosas da realidade nacional e contribuir para a tomada de decisões socialmente aceitáveis.
O livro contém diversas avaliações interessantes e inteligentes da evolução da economia brasileira, baseadas quase todas na experiência direta de pessoas que ocuparam posições de grande destaque na formulação e execução da política econômica do país na segunda metade do século 20.
Juntamente com os depoimentos de Octavio Gouvêa de Bulhões, Dênio Nogueira e Lucas Lopes, colhidos pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas, o livro de Biderman, Cozac e Rego merece ser lido por todos que queiram aprofundar seu conhecimento desse período de nossa história econômica.

E-mail: pnbjr@ibm.net

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