São Paulo, quinta-feira, 12 de dezembro de 1996
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'Fui um repórter dos tempos que vivemos'

MARCELO RUBENS PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Leia, a seguir, uma edição de entrevistas concedidas por Plínio Marcos em dois encontros e vários telefonemas.

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Folha - O que levou o garoto Plínio Marcos para o circo?
Plínio Marcos - Eu tinha 16 anos e me encantei com uma gatinha. Virei "amarra cachorro", lavando merda de elefante, em Santos. Depois, virei palhaço. Para minha surpresa, fiz sucesso. Viajei com eles. Três dias em cada cidade. Era uma espelunca medonha.
Folha - Aprendeu aí o tarô?
Marcos - Dona Cora, que fazia número com cachorrinhos amestrados, lia tarô e energizava. Tínhamos um número de hipnose. Até hipnotizarmos a mulher do prefeito de uma cidade do interior. Aí, a barba cresceu. Apanhamos muito e fomos proibidos de fazer o número. Foi a primeira vez que me impediram de trabalhar.
Folha - E o futebol?
Marcos - Joguei no juvenil da Portuguesa Santista. Era um timão. A torcida lotava os treinos, xingava, brigava. Tinha Pagão e Nei Papagaio. O técnico era o Lula. Depois foram pro Santos, time dos grã-finos, onde foram campeões.
Folha - E o teatro?
Marcos - Um garoto da minha rua foi estuprado na cadeia. Depois de solto, matava todos aqueles que saíam e que tinham estuprado ele. Foi aí que escrevi "Barrela" (1958).
Folha - Você dominava a técnica?
Marcos - Larguei a escola no terceiro ano do primário. Meu pai lia muito. Era a minha escola. Até encontrar a Pagu (Patrícia Galvão, ex-mulher de Oswald de Andrade). Ela me esperou no final de um show, pedindo para eu atuar numa peça. Fomos a um bar, e dei minha peça para ela ler. Foi a primeira que me falou de Nelson Rodrigues.
Folha - E você não parou mais?
Marcos - Saiu na imprensa que eu era um gênio. Fiquei na badalação. Montava peças para os estivadores de Santos... (Pausa) Eu não queria falar disso. O passado é um exemplo, o futuro uma esperança, e o presente é um puta pé no saco!
Folha - "Dois Perdidos" é um dos textos mais montados do nosso teatro. O que o mantém atual?
Marcos - A impossibilidade de diálogo entre pessoas de culturas diferentes e o problema da migração, que desvincula da origem e deixa indefeso o sujeito diante da nova realidade.
Folha - O que a censura alegava ao proibir suas peças?
Marcos - Censura não alega. É uma brutalidade nazista que não precisa alegar, põe a pata em cima e está liquidado. Nunca me deixaram trabalhar. Assim fui despedido como ator de "Beto Rockfeller". Não consigo provar que trabalho desde os 13 anos. Não tenho nenhuma aposentadoria.
Folha - Você se acha injustiçado?
Marcos - Uma vez, o Boris (Casoy) me perguntou se fui muito perseguido. "Eu fiz por merecer", respondi. Não aceitava a ditadura e fiz por merecer.
Folha - Mas você não militava em organizações de esquerda que combatiam a ditadura.
Marcos - Sou anarquista. Acham artistas e escritores especiais. Nunca me senti especial. Vender meus livros pelas ruas significa não ter quebrado meus laços com o velho quarteirão.
Folha - Suas peças "Navalha na Carne" e "As Máquinas Param" vão ser filmadas...
Marcos - Adoraria que meu teatro estivesse superado. Eu desconfiava que o Brasil não superaria seus problemas devido aos políticos que têm por aí. Nasci dentro da ditadura de Vargas e me criei artisticamente em uma ditadura pior. Não era difícil prever que o país não iria evoluir. Criou-se uma geração de homens públicos que se vendem fácil. Sempre fui um repórter dos tempos que vivemos.
Folha - Por que você não aceita patrocínios?
Marcos - O mal da intelectualidade brasileira é ser atrelada sob forma de patrocínio. Defendem a tese de que o governo, por meio de impostos, deve subsidiar a cultura. Defendo a tese de que o governo deve garantir que todos ganhem para pagar o dentista e a cultura.
Folha - Você está rico?
Marcos - O teatro me deu muito dinheiro. Mas torrei.

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