São Paulo, sábado, 14 de dezembro de 1996
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A razoabilidade e a licitação

DANIELA LIBÓRIO DI SARNO

Princípio é a orientação de atitude a quem tem que trazer eficácia ao sistema jurídico. Serve de rumo para que a legislação tenha coerência e harmonia. Existem os princípios que norteiam o procedimento licitatório e que estão explícitos ou implícitos na legislação. Podemos citá-los como sendo o da vinculação ao edital, impessoalidade, publicidade, probidade administrativa, legalidade, entre outros.
Porém pretendemos ir além de tais princípios, atingindo a atitude, a postura que o agente público tem que ter quando da aplicação da lei nº 8.666 em cada caso prático. Essa atitude tem que ser proba, moral, legal e adequar os meios utilizados à finalidade almejada.
Isso significa não só aplicar a lei como também agir com razoabilidade quando da sua aplicação e ser ponderado na tomada de decisões.
O princípio da legalidade pode ter uma conotação indesejável, qual seja, a de que endurece a atitude pública e impede a administração pública de agir com a rapidez que certas situações exigem. Mas tachar um dispositivo legal, que define os rumos da contratação com o poder público, de instrumento impeditivo ao bom andamento do serviço público é, no mínimo, um grande desconhecimento por parte de quem o faz.
Cabe relembrar que à União compete editar normas gerais, traçar diretrizes legais, regras e exceções. Cada Estado-membro e cada município deverá adequar tal legislação à sua realidade local.
Isso não quer dizer que os municípios e os Estados-membros possam desconsiderar o estatuído pelo legislador federal, mas sim que deve haver um grau de razoabilidade na interpretação dessa legislação para cada caso.
Outro aspecto da questão se refere ao planejamento. Toda administração pública deve elaborar alguns planos. Em geral, centram-se nos aspectos financeiro, urbanístico e político. Além desses, pode haver quaisquer outros planos, setoriais ou específicos, para servir de suporte ao bom desempenho do administrador público.
Administrando por meio do planejamento, é possível antever as necessidades, sejam de manutenção, aquisição, recuperação, ampliação etc. Portanto, dentre o volume de decisões que cabe ao poder público, apenas uma pequena parcela é que pode ser considerada emergencial, inesperada, urgente.
A lei nº 8.666 é sensível a esses casos, prevendo, no seu artigo 24, a possibilidade de dispensa de licitação por situações emergenciais. Talvez o grande problema se deva ao fato de que a licitação faz parte de um processo complexo, que exige da administração uma organização que ainda não possui.
É perfeitamente possível ter um cronograma de gastos, de metas, e ter previsão das licitações necessárias por um período de tempo. Basta planejar. Organização básica e necessária. Prioritária. O procedimento licitatório, obrigatório a toda administração pública, na iniciativa privada corresponde à pesquisa de mercado para tentar aliar produto, preço e qualidade. A grande diferença é que, na iniciativa privada, alguém gasta seu próprio dinheiro; no setor público, alguém gasta o dinheiro de todos.
A submissão do Estado ao direito traz segurança jurídica a todos, pois, limitando a ação do Estado por meio de regras, o cidadão estará apto para saber também seus limites (direitos e deveres). Portanto, dizer que uma lei emperra o bom andamento da máquina ou que seus mecanismos favorecem determinada situação é uma inverdade a ser constatada cada vez que essa lei é posta em prática, interpretando-a com razoabilidade à situação, que poderia ser planejada pela administração pública.

Daniela Campos Libório Di Sarno, 32, advogada, é professora da Faculdade de Direito da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica).

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