São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 1996
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Ódio a políticos se difunde na Internet

Preconceito e ofensas caracterizam os debates

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Não existe lei na fronteira da Internet, e o desregramento é o mais amplo para atacar políticos, acusar sem provas, ofender, xingar. "Erundina, volta para a Paraíba com os seus petelhos", afrontava um preconceituoso internauta, outro dia, na rede.
Não é bem assim, a lei existe, o Código Penal está aí -mas a atitude na World Wide Web, nestes anos 90, não é muito diversa daquela no Velho Oeste. A rede está carregada dos que não se contentam com a simples injúria doméstica contra os políticos, que se faz em pensamento ou conversa. Querem levar ao mundo.
"Usava óculos DKW e parecia um TFP, hoje é um Zelig ao avesso", diz outro. "Sempre puxou o saco dos milicos e pior: brincou com dinheiro público. Distribuiu 22 carros para os tricampeões de 70 com recursos da prefeitura. Absurdo comparável à entrada dos tetrabundões na alfândega brazuca." O baixo calão vai muito, muito além, com ofensas de toda sorte a políticos de toda ordem. Do "turco" Paulo Maluf à "paraibana" Luiza Erundina, alvos e adjetivos não faltam.
Com a rede crescendo como em nenhum outro país, importaram-se as "hatepages", páginas -e o espírito- de ódio a personalidades públicas que marcam a Internet desde o início. Nos EUA, tem ódio para democratas e republicanos, contra Bill Clinton e o congressista Newt Gingrich.
Páginas mesmo, com plena construção e atualizações, no Brasil só existem duas. As duas contra o prefeito Paulo Maluf. Uma delas, criada por "Tom B", da legendária -na área- e extinta Casa de Exu, leva o título bem direto de Página Anti-Maluf.
"Tom B" diz não ter orientação partidária ou qualquer outra, sendo o projeto "fruto da convicção de que, quanto mais longe o sr. Maluf e sua turma ficarem da política brasileira (e da presidência -bater três vezes na madeira urgente), melhor pro país e pro povo". É o que escreve, na página.
Ouvido pelo telefone, Tom Bojarczuk, 26, que antes usava o pseudônimo Exu Tranca Rede, defendeu a sua construção como veículo para a indignação antimalufista, o que inclui os excessos, até os palavrões. Na própria página, lembra o fato de o prefeito ser uma personalidade pública.
A assessoria de Paulo Maluf, procurada para uma opinião do prefeito, mostrou conhecimento da página mas respondeu com um lacônico "sem comentários".
A outra página antimalufista, inteiramente política, é do sindicato dos funcionários públicos paulistanos. São acusações conhecidas, concentrando-se no PAS, o programa de saúde. Os autores se dizem em "campanha pelo restabelecimento da verdade".
Não falta quem afronte o presidente Fernando Henrique Cardoso, o petista Luiz Inácio Lula da Silva ou a citada Luiza Erundina.
FHC foi o alvo central do primeiro dia do "chat" (bate-papo) exclusivo que os petistas estão criando. Nada de pessoal, mas muito contra, por exemplo, as privatizações que promove. "Uma grande sacanagem", escreveu um, acusando o saneamento das estatais "para jogar nas mãos dos capitalistas". Outro acusou "desprezo ao Rio Grande do Sul".
No fórum sobre política social, alguém comentou, medidativo: "No passado, FHC fingia trair as elites. Hoje trai o povo que no passado fingiu eleger. Pensemos." Outro acrescentou: "O governo de Fernando Hilário Carismático é uma das maiores falácias que o Brasil enfrenta."
Lula, esquecido na política, também está em baixa entre insultos. Aqui e ali, com muita busca, aparece um ataque ao "Partido Nacional-Trabalhista", fruto da "cabeça de quem o fundou, o Lula".
Ex-candidata a prefeita, é Erundina o principal alvo. No fórum, por exemplo, quando do escândalo do "branco safado", como a candidata qualificou o malufista Celso Pitta: "Erundina safada, racista, cabeça de cocô. Sou negra. Como é que pode uma velha safada estar sujeita a candidatura?"
Alguns chegaram a dirigir-se por e-mail ao próprio PT. Não chegou até ela, mas uma mensagem mais grosseira foi respondida pelos editores do informativo petista na Internet, dizendo que o ofensor estava "perdendo tempo" e sendo "preconceituoso". "É muita infantilidade", diz uma assessora.

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