São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A mulher alérgica ao mundo moderno

LUCIA MARTINS
DE LONDRES

Uma superalergia está obrigando a inglesa Gillian McCarthy, 42, a morar em uma tenda do Exército, usar máscara e roupas especiais e apenas receber visitas que tenham lavado suas roupas com bicarbonato de sódio e bórax (substância anti-séptica).
Gillian sofre de uma alergia rara: Distúrbio Múltiplo de Sensibilidade Química (DMSQ).
No estágio mais avançado da doença, ela não pode ser exposta a vários produtos químicos: água de torneira, tinta, cola de parede ou carpete, plástico, perfume e até o aquecimento, por exemplo.
"A lista é interminável e está sempre variando. Nunca sei o que pode me fazer mal. Isso transformou minha vida em um inferno. Tenho que ficar isolada de tudo e com muito frio", afirmou Gillian McCarthy à Folha.
Quando há exposição a produtos "proibidos", as consequências diretas mais comuns são náuseas, perda de memória, dores de cabeça, tremores e problemas de respiração. O doente corre o risco de sofrer ataques cardíacos e morrer.
Gillian coleciona a maioria dessas reações e ainda tem muitas outras não notadas em outras pessoas que sofrem de DMSQ. Cada vez que seu organismo é atacado, ela engorda -com 17 anos engordou 17 kg em duas semanas.
"Meu médico não acreditava que eu comia pouco. Achava que eu estava mentindo", disse.
Mudanças de endereço
Por causa dessa variedade de alergias, Gillian é obrigada a se mudar cada vez que descobre reações de seu organismo a novas substâncias na região onde vive.
Nos últimos três anos, desde que descobriu a causa dos seus problemas, ela já trocou de residência mais de 20 vezes até chegar à tenda onde vive hoje em Somerset (120 km a sudoeste de Londres).
A barraca fica perto de um prédio para onde os pais de Gillian foram obrigados a se mudar. Uma enfermeira a visita a cada 3 dias. "A ajuda dos meus pais e da enfermeira foi indispensável para me manter viva este ano."
Como tem reações à maior parte dos alimentos, Gillian só come três vezes por semana e, mesmo assim, estão vetados de sua dieta carne, peixes e frangos. Ela sobrevive com algumas verduras, algumas sementes somados a vitaminas e complementos alimentares.
E, como não come bem, o seu organismo fica cada vez mais vulnerável a novas alergias. Também não tem forças para sair da cama frequentemente. "É um círculo vicioso e não consigo sair disso."
Raízes do problema
Gillian afirma que a sua doença se agravou depois que ela começou a trabalhar com pesticidas logo depois da graduação.
"Tenho certeza disso. Vários colegas meus de trabalho morreram de causas desconhecidas. Esse país fez experimentos com pesticidas naquela época, principalmente com organofosfatos."
Aos 20 anos, entrou na universidade. Estudou ciência da agricultura na faculdade de New Castle-Upon-Tyne (norte da Inglaterra) e começou a manusear sprays, a maioria de pesticidas.
"No meio do curso, quase tive que parar. Estava cansada, tinha problemas de memória e estava pesando mais de 100 kg. Meu corpo tinha explodido e eu só pensava em como iria emagrecer."
Começou a fazer uma "maratona" por consultórios. Passou por mais de 80 médicos até que o problema foi diagnosticado há três anos. "Mas toda essa procura e tratamentos diferentes fizeram eu gastar todo o dinheiro que tinha guardado. Além disso, em 1993, já estava tão mal que não conseguia mais trabalhar."
Por isso, teve que vender a casa para pagar o tratamento. "Como o governo não admite que as experiências feitas com organofosfatos foram responsáveis pelos meus problemas, eles não me dão as condições ideais de tratamento."
"Uma TV emprestou um helicóptero para que eu fosse removida de lá. Estava muito mal e tinha que sair imediatamente, mas sem passar por outro ambiente poluído. Por isso, tinha que ser de helicóptero e muito rápido."
Agora, Gillian tem dois projetos: tentar convencer as autoridades locais a construir uma casa especial para ela (tudo adequado aos seus problemas) e escrever um livro contando sua experiência.
"Assim que conseguir uma casa especial, em que esteja aquecida e sem o risco de piorar, vou começar a escrever para que outros doentes não precisem ficar tanto tempo para descobrir seus problemas como eu fiquei."

Texto Anterior: Todos os peixes de caverna são cegos?
Próximo Texto: Alergia irrita os soldados de defesa do corpo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.