São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 1996
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Garota tira fotos de gêmea deficiente

Libération
de Paris

BLANDINE GROSJEAN

Heloïse conheceu Jacques Grison, fotógrafo da agência Rapho, há um ano. O tema do trabalho dele eram as doenças genéticas, para o Téléthon (maratona televisiva para arrecadar fundos).
Heloïse era a irmã gêmea de Morgan, que sofria de miopatia congênita, uma doença do sistema muscular. Morgan estava sentada em uma cadeira de rodas. Heloïse, sã, irrequieta por não mais estar vestida como a sua metade, a sua irmã. Uma tarde, ela roubou a Leica do fotógrafo.
Sem que percebessem ou vissem, tirou algumas fotos. Jacques reconheceu que não eram dele quando revelou o filme. "Não eram fotos de um novato, o enquadramento era ousado", disse.
Ele disse ter entrevisto naquelas primeiras fotos uma resposta à questão essencial que se apresenta aos fotógrafos que trabalham na intimidade de uma família, sua estranheza, sua diferença: Qual é a distância correta em relação a uma doença? Ele deu uma velha Nikon à garota, para que ela fotografasse sua irmã gêmea. Tornou-se amigo da família, e, dos filmes que Heloïse fotografou, editou uma série. É o olhar de Heloïse sobre sua irmã, nascida no mesmo dia, mas receptora de uma outra herança. A imagem de uma diferença por muito tempo inaceitável para Heloïse, um distanciamento criativo.
Olhos azuis
"Tenho 12 anos. Morgan e eu somos falsas gêmeas, porque ela é loira. Quando éramos pequenas, ninguém nos confundia. Morgan sempre foi menor, e ela tem olhos muito azuis. Todos percebem."
"Eu a achava afortunada, eu teria amado nascer com olhos azuis e loira como ela. Quando penso de verdade, fico triste de não estar lá, queria estar no lugar dela, ou queria pelo menos que fôssemos ambas deficientes. Quando eu era pequena, achava que a culpa era de minha mãe, hoje sei que ninguém é culpado. Minha família tem também meu irmão Nicolas, 16, e Amandine. Ela tem 15 anos."
"Morgan, Amandine -nossa irmã mais velha- e eu dormimos no mesmo quarto. Mas Morgan se dá melhor com Amandine, não fala muito comigo. Ela conta coisas a Amandine, e Amandine as conta a mim. Eu converso muito com Amandine. Ela nos reúne." "Morgan e eu, nós nos entendemos. Às vezes, ela fica brava quando não recolho suas coisas, e então ela derruba as minhas."
"Ou quando a ajudo nas tarefas, e ela não gosta, ela diz que eu sou burra. Para as fotos, no começo, ela não gostava da idéia, dizia que eu fosse embora, que era feia."
"Depois as coisas mudaram, mas ela me mandava esconder aquelas de que não gostava. Em casa, não posso mais ajudar, ela ficou pesada demais. Amandine cuida muito dela, sobretudo quando mamãe está cansada."
"Minha melhor amiga se chama Fatou. É nigeriana. No meu colégio, quase não há africanos, e ela é a única deficiente. Ela tem um pé defeituoso, anda de muletas. O que mais gosto em Fatou é que ela é muito franca, diz o que quer. Trabalha bem, e é divertida. Gostaria de fotografá-la."
"Acredito em Deus. Minha irmã mais velha reza todos os dias, e às vezes a acompanho. Acredito que Deus pode realizar desejos. Eu gostaria que ele curasse Morgan, mas sei que isso não é possível. Ela é capaz de fazer cada vez menos coisas. Eu rezo para que todo mundo seja feliz, que Morgan seja feliz, e que ela ganhe uma cadeira de rodas elétrica."

Tradução de Paulo Migliacci

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