São Paulo, segunda-feira, 16 de dezembro de 1996
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Ironia lusa contrapõe ameaça gremista

JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE

No vestiário da Portuguesa, momentos antes de o time entrar em campo, os jogadores rezavam.
Dava para escutar os gritos da torcida: "Ê, ê, ê, paulista vai morrer" ou "Ó Portuguesa pode esperar, a sua hora vai chegar".
Foi sob um clima de guerra que o time se preparou, durante uma hora e 45 minutos, no estádio Olímpico, para encarar o Grêmio.
A reportagem da Folha acompanhou a Portuguesa nos momentos que antecederam o jogo.
Para controlar a tensão, a ansiedade e a expectativa, a tática era falar bastante. O assunto não interessava, o importante era falar.
Valia conversar sobre a torcida, as férias que se aproximavam, a família, o tempo, como em qualquer bate-papo normal dentro de um elevador, ou até fazer piadas dos gritos de guerra dos gremistas.
"Alguém tem que avisá-los que eu sou do Maranhão", brincava o goleiro Clêmer, referindo-se às ameaças contra os paulistas.
"Não vão vocês gritar contra os gaúchos, porque eu sou do Rio Grande", disse o meia Caio, que nasceu no interior do Estado e defendeu o Grêmio até janeiro de 94.
A recepção
A comissão técnica da Portuguesa tentou despistar a torcida do Grêmio, chegando a Porto Alegre antes do horário previsto. O time deixou São Paulo, às 10h, pousando em Porto Alegre às 12h.
Um ônibus contratado pelo clube e que esperava os jogadores na pista do aeroporto transportou-os para um hotel no centro da cidade.
No trajeto ao hotel e depois ao estádio, vários torcedores com camisas do Grêmio xingavam o time e mostravam dois dedos das mãos, insinuando o placar de 2 a 0.
No caminho, no entanto, torcedores com camisas do Internacional, rival do Grêmio, aglomeraram-se para dar apoio aos paulistas. Candinho e seus pupilos acenavam, agradecendo o incentivo.
E uma surpresa curiosa: as ruas e avenidas que cercam o Olímpico estavam pintadas de verde, vermelho e branco, cores da Portuguesa. É que a Prefeitura de Porto Alegre preparou a decoração de Natal antes de conhecer os finalistas.
Protegidos por seguranças do Inter, os paulistas chegaram ao estádio às 17h15.
A preleção
Na última hora, já dentro do vestiário do Olímpico, o técnico Candinho, mais do que um estrategista, vira um psicólogo. A análise tática do adversário, as orientações, a estratégia de jogo foram passadas ao elenco em São Paulo e no hotel.
Conversando "de verdade" com os atletas, no estádio, Candinho só descontrai o ambiente, acalma o time, motiva-o e brinca. "Já que o avião não caiu, estamos aqui, haverá jogo, vamos para ganhar."
Mas também fala sério e elogia o elenco. "Fizemos história na Portuguesa, mostramos nosso valor. Estamos em alto-mar", lembrou, referindo-se aos comentários de que o time costumava nadar, nadar e morrer na praia.
O goleiro Clêmer, um dos líderes do grupo, é o que mais palpita. Além de dar as instruções finais para seus companheiros de defesa, pede cuidado com a arbitragem.
O aquecimento
O preparador físico José Roberto Portella comanda os quase 30 minutos de exercícios dos jogadores antes do início do jogo. "Sem o aquecimento bem feito, o risco de alguma contusão é grande", diz.
Diferentemente do Grêmio, que aqueceu no campo de treinamento que fica do lado de fora do estádio, a Portuguesa teve que se contentar em se aquecer no vestiário, já que o gramado do Olímpico era palco de um jogo preliminar.
Portella, que trabalhou no futebol português, preparou exercícios individualizados. "Cada um tem uma necessidade diferente, uma característica específica."
A imagem
A diretoria da Portuguesa, porém, não contava só com a preleção de Candinho, o aquecimento de Portella ou a técnica dos jogadores. Uma imagem de Nossa Senhora de Fátima também foi levada ao vestiário para dar sorte.
"No Canindé, estamos acostumados com a imagem", afirmou o zagueiro César, que diz ser evangélico. "É uma força a mais."
A ausência foi o mascote Nirlei Tigre, 5, chamado pelos jogadores de "campeão". Sem lugar no avião fretado pelo clube, ele ficou torcendo em casa, pela televisão.
O grupo de apoio da equipe, formado por roupeiro, massagista, treinador de goleiros e seguranças, acendia velas no vestiário e fazia promessas. "É a macumba portuguesa", brincava Carioca, treinador de goleiros do time.
É a a tal história: em decisão, vale tudo. Bola para o mato que o jogo é de campeonato.

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