São Paulo, quarta-feira, 18 de dezembro de 1996
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A literatura é para ouvir

LUCIA MARTINS
DE LONDRES

O inglês Nick Hornby, 39, lançou um estilo diferente de literatura: uma espécie de "who is who" (quem é quem) da cultura pop diluído em um romance sobre um trintão em crise existencial.
A fórmula, exposta em seu mais recente livro, "High Fidelity" (Alta Fidelidade), elevou Hornby à condição de escritor britânico mais comentado do momento.
Quando "High Fidelity" foi lançado, a imprensa especializada inglesa considerava que o livro vinha inaugurar uma espécie de "literatura para ouvir", fazendo com que um público que torrava dinheiro apenas em discos se voltasse também aos livros.
A temática pop de Hornby abriu caminho para o sucesso de escritores como Irvine Welsh ("Trainspotting" e "Ecstasy").
"High Fidelity", best seller no Reino Unido -vendeu mais de 320 mil cópias em sete meses-, ainda não tem previsão de lançamento no Brasil.
O personagem principal, um dono de loja de discos de 35, depois 36 anos, narra toda a história (sobre os seus problemas de relacionamento com a namorada) fazendo listas das piores e melhores músicas, filmes, mulheres, bandas, livros, beijos e até profissões.
"As referências fazem parte de como eu sou. Além disso, elas serviram para delinear o personagem", disse à Folha Hornby.
Esse é o segundo livro do autor. O primeiro ("Fever Pitch", Febre no Campo), lançado em 92, foi uma espécie de autobiografia sobre sua paixão pelo Arsenal, um time do norte de Londres do qual ele é fã desde pequeno.
Antes, Hornby era crítico literário dos jornais ingleses "The Sunday Times" e do "The Independent on Sunday".
"Comecei a escrever o primeiro livro sem pretensões. Ele vendeu tanto que me surpreendi. Agora, com o sucesso do 'High Fidelity', consigo viver só escrevendo."
Depois de ler o livro, a associação entre o autor e o personagem Rob é instantânea. Ele tem 39 e o personagem, 36. Ele mora em Arsenal e Rob, em Camden, ambos no norte da cidade.
"Não sou ele. Temos muitas coisas em comum, a mesma coleção de discos. Mas não sou tão estúpido. Rob não sabe o que está acontecendo com ele mesmo."
*
Folha - Fazer a lista dos top da cultura pop era o seu objetivo principal quando você pensou em escrever o livro?
Nick Hornby - Não era o único. Queria escrever sobre o relacionamento entre Rob e Laura. Mas as referências fazem parte de como eu sou e quais coisas eu me interesso. Além disso, elas serviram para delinear o personagem.
Folha - Como surgiu a idéia?
Hornby - Os escritores ficam tímidos de incluir referências explícitas, pois acham que o livro ficará datado. Mas não ligo para o que o livro vai parecer daqui a dez anos, pois quero escrever sobre hoje.
Sempre gostei de livros com referências e queria fazer um. Além disso, tentei escrever de uma maneira que, mesmo para quem nunca ouviu falar nos filmes e músicas citados, isso não faria diferença.
Folha - Você é o Rob?
Hornby - Não. Temos muito em comum, a mesma coleção de discos. Gosto dos livros dele, mas os filmes, por exemplo, não são os meus. São específicos para um tipo de homem que ele é, que gosta de coisas como Martin Scorsese. Gosto desses filmes, mas há outros de que gosto mais. Além disso, não sou tão estúpido como Rob em certas ocasiões. Ele não entende o que acontece com ele mesmo.
Folha - Por que você escolheu criar esse tipo homem?
Hornby - Porque é um tipo que conheço muito bem. Não só por ele ser parte de mim, mas também porque tenho muitos amigos que são exatamente do mesmo jeito de Rob. Eles também não sabem o que vão fazer com suas vidas.
Folha - Você também quis mostrar a crise dos 30?
Hornby - É. Rob sofre de um problema que afeta a maioria das pessoas que chegam aos 30 hoje. Elas vivem com outras por um longo tempo, sem nenhum compromisso. Os dois lados estão sempre pensando em que isso vai levar, se é a relação certa. Às vezes, pensam que deveriam fazer algo melhor. E, quando chegam aos 30, entram em crise, muitas vezes sem saber o que fazer, como Rob.
Folha - Por que você decidiu que Rob seria dono de loja de discos?
Hornby - Porque a maioria das músicas pop fala de coisas com que ele se preocupa. Também porque acho que as músicas pop são ouvidas mais por quem é mais inarticulado emocionalmente. Há um 'gap' entre o que ele ouve e o que faz. Também porque qualquer um acha fantástico ter uma loja de discos quando tem 21, mas aos 35 começa a ver que a ideia é idiota.
Folha - As músicas são as suas preferidas?
Hornby - Gosto da maioria, mas escolhi essas porque elas são um consenso da crítica.
Folha - Em seu próximo livro você está colocando suas referências também?
Hornby - Algumas. É sobre o relacionamento de um garoto e o ex-padrasto.

LEIA MAIS sobre "High Fidelity" à página 4-3

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