São Paulo, sexta-feira, 20 de dezembro de 1996
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Grupo acusa ligação entre governos de Peru e Japão

NICOLE BONNET
DO "LE MONDE", EM LIMA

Por que a residência do embaixador japonês em Lima foi alvo da ofensiva do Movimento Revolucionário Tupac Amaru (MRTA)? Porque o Japão aplaude a política neoliberal do presidente Fujimori, que arremessou a população do país à miséria, declarou o líder do comando guerrilheiro anteontem.
Na verdade, o comando do MRTA atacou mais o símbolo da submissão dos interesses do Peru a uma potência estrangeira.
O argumento dos terroristas, de que Tóquio sustenta a política neoliberal de Fujimori, não resiste à realidade dos números.
Os europeus, na verdade, são os principais investidores estrangeiros no Peru. A importante privatização das telecomunicações, por exemplo, foi confiada ao grupo espanhol Telefonica.
A falta de pressa das empresas japonesas para investir no país confirma esse dado. O presidente da Câmara de Comércio Nipo-peruana disse, no salão de sua casa, 15 minutos antes do ataque terrorista, que se a estabilidade da economia se mantiver, talvez as empresas japonesas se façam mais presentes a partir de 1997.
Mesmo assim, a escolha do objetivo para o ataque remete às promessas feitas pelo engenheiro Fujimori em sua campanha eleitoral de 1990. O filho de imigrantes japoneses, apelidado "El Chino", declarou que receberia bilhões de dólares em assistência japonesa quando chegasse ao poder.
Sua primeira visita como chefe de Estado foi ao Japão, a primeira em 31 anos de um dirigente peruano, mas teve caráter mais sentimental do que concreto.
Fujimori realizou a visita como o primeiro chefe de Estado de origem japonesa a ser eleito fora do Japão, mas não obteve na viagem os créditos com que contava. Tóquio vinculou toda assistência à aprovação do Fundo Monetário Internacional (FMI).
O Peru, que havia decretado uma moratória de sua dívida externa, vigente desde 1984, enfrentava ainda uma hiperinflação de 7.000% ao ano e a insegurança gerada pela violência política.
A resposta do FMI aos pedidos de Lima foi clara: a hiperinflação teria de ser combatida por uma política impiedosa de ajuste estrutural, um programa que, de fato, era uma cópia perfeita da plataforma eleitoral do adversário neoliberal de Fujimori nas eleições, o escritor Mario Vargas Llosa.
"El Chino" demitiu sua equipe econômica esquerdista e social-democrata e aceitou as condições impostas pelas organizações multilaterais de financiamento.
Impedido de colocar sua política neoliberal em prática por um Parlamento que se recusava a autorizá-lo a governar por decreto e ameaçava destituí-lo, Fujimori deu um golpe de Estado civil, em abril de 1992, dissolvendo o Parlamento, suspendendo temporariamente as liberdades civis e tomando o controle do Poder Judiciário.
Foi então que "El Chino" se tornou conhecido como "Chinochet" por todos aqueles que não aceitavam a aliança que forjou entre o poder civil e os militares.
Ainda hoje, o presidente Fujimori concentra a autoridade. Não há praticamente nenhum outro poder que o contrabalance. Os comandantes do MRTA compreenderam e aceitaram perfeitamente essa dimensão ao recusar como interlocutor para as negociações outras pessoas que não Fujimori.
A severa cura liberal teve graves consequências para a população.
A hiperinflação, porém, foi controlada (12%, em 1996), e o terrorismo, que parecia ameaçar a própria existência do Estado, foi duramente golpeado em 1992 com a prisão de Victor Polay e Abimael Guzmán, respectivamente dirigentes do MRTA e do Sendero Luminoso. Em 1995, Fujimori foi reeleito como presidente. Mas sua cota de popularidade está em queda agora. Depois de anos de penúria, de estados de emergência em mais da metade do território do país, um em cada dois peruanos vive hoje abaixo do limite da pobreza.

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