São Paulo, sexta-feira, 20 de dezembro de 1996
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'A minha sensação era que eu estava assistindo a um filme'

CLÁUDIA TREVISAN
DA ENVIADA ESPECIAL

Esther Perez, mulher do embaixador do Brasil no Peru, Carlos Luiz Coutinho Perez, ficou cerca de duas horas em poder dos guerrilheiros do Tupac Amaru que tomaram a residência oficial do embaixador do Japão.
Ontem, Esther dizia estar relativamente calma, mas não conseguia esconder a preocupação com a situação do marido, que continua prisioneiro.
Eles conversaram por um telefone celular. Segundo ela, o embaixador disse que não poderia falar muito, pois estava usando um celular, e havia outras pessoas que pretendiam telefonar para suas famílias.
"Ele me disse que fisicamente estava bem e me pareceu que estava com a voz controlada", disse Esther à Folha ontem.
Filhos
A filha do casal, Ana Teresa, chegou a Lima anteontem, para acompanhar de perto a situação. Ela é casada com um diplomata.
O outro filho, Carlos Luiz Dantas Coutinho Perez, deveria chegar a Lima ontem à noite. Ele também é diplomata e trabalha em Bruxelas, na Bélgica.
A terceira filha de Esther, Ana Luiza, que está grávida, havia ido a Bruxelas, para passar as festas de Natal com irmão. A família a convenceu a ficar na capital belga com a sua cunhada.
Em entrevista à Folha, Esther Perez relatou os detalhes do que viu na noite em que a residência oficial do embaixador do Japão no Peru foi tomada pelos guerrilheiros do Movimento Revolucionário Tupac Amaru.
A embaixatriz e seu marido haviam ido à festa de comemoração do aniversário do imperador Akihito, que estava sendo realizada nos jardins da casa.
Relato
A seguir, o relato da mulher do embaixador brasileiro:
"Nós chegamos 15, 20 minutos antes de tudo começar.
Eu estava conversando com as primeiras pessoas que havia encontrado quando explodiu a primeira coisa.
Como o barulho veio de fora, pensei que fosse um fato isolado. Olhei em volta e não havia estrago nenhum. Aí, começaram a explodir outras bombas.
Meu marido, que estava próximo, me puxou e me levou para dentro da residência e disse para ficarmos próximo à parede.
Outras pessoas começaram a entrar, mas não havia pânico. Foi tudo muito rápido. Quando entrou uma pessoa armada, pensei que fosse da polícia. Não era, era um dos terroristas.
Ele mandou que todos deitassem com a cabeça para baixo e não olhassem para cima. Acho que ficamos assim por cerca de uma hora. Ele falava para ficarmos calmos, para que eles não precisassem usar suas armas. Eles tinham muitas armas.
Eu vi cerca de oito terroristas. Eles usavam roupas semelhantes a um uniforme militar de cor escura, não sei se cinza ou verde, e tinham lenços no rosto. Eles também tinham máscaras de gás.
Foi tudo muito rápido. A minha sensação era a de que eu estava assistindo a um filme, de que aquilo não estava acontecendo comigo.
Quando estávamos deitados, a polícia começou a jogar bombas de gás dentro da casa.
Um dos terroristas falou em um megafone que as bombas estavam prejudicando apenas os sequestrados, já que eles tinham máscaras. Nesse momento, as bombas pararam.
A nossa situação era muito desconfortável. Havia pouco espaço para que todos ficássemos deitados. Em um determinado momento, um dos senhores levantou a voz e disse que estávamos desconfortáveis.
Fomos autorizados a nos mexer para nos acomodarmos melhor, sem nos levantarmos.
Logo depois, anunciaram que libertariam as mulheres. Acho que decidiram isso porque havia muita gente no local, e a situação poderia ficar difícil de controlar.
Momento difícil
O momento mais difícil para mim foi quando eu percebi que seria libertada e que meu marido continuaria preso.
As mulheres foram reunidas e soltas em grupos de 20. Saíram primeiro as mais idosas.
Próxima de mim havia uma senhora muito idosa, que mal podia andar.
O seu filho queria acompanhá-la até a porta, mas os terroristas não deixaram.
Eu me ofereci para ampará-la, e eles autorizaram. Foi quando saí.
Ontem (quarta), falei com meu marido. Queria saber como estava, se estava comendo, mas ele disse que isso não importava.
Disse que precisava ser breve, porque a bateria do telefone celular poderia acabar e havia outras pessoas que queriam telefonar.
Ele me disse que fisicamente estava bem e me pareceu que estava com a voz controlada."
(CT)

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