São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 1996
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Religião herdada dos pais é abandonada

DA REPORTAGEM LOCAL

Cristãos em sinagogas e templos budistas. Judeus em igrejas e católicos paramentados em cultos afro-brasileiros são cenas cada vez mais comuns em São Paulo.
São pessoas que herdaram uma religião dos pais, mas descobriram sua maneira de cultuar Deus.
Elisangela Alves, 23, filha de pais católicos, adotou o islamismo há cinco anos. Aos 18, deixou as lanchonetes e danceterias para ficar em casa com roupas que a cubram.
"Encontrei o sentido de minha vida no islamismo. Hoje, felizmente, não frequento lugares impuros para o muçulmano. Sou feliz como muçulmana", diz ela.
Segundo o xeique Armando Hussein Saleh, 38, da mesquita do Brasil, essa é a religião que mais cresce no mundo todo.
Elisângela, que anda com a cabeça coberta e usa saias que chegam até os pés, diz que se interessou pela religião no local onde trabalhava. "Eu via os árabes rezarem ajoelhados e ficava curiosa para saber o que faziam. Fui aprendendo e gostando até me converter."
Ela não trabalha, não estuda e só frequenta lugares onde não existe bebida alcoólica. "Ela não é proibida de ir aos lugares em que há bebida alcoólica, mas não pode bebê-las. Isso é proibido. Ela é livre para fazer qualquer coisa que não seja prejudicial. Por exemplo, ela pode assistir TV, desde que não seja a programas impróprios. O mesmo com o cinema", diz o xeique.
Zeinab, 7, não terá de se adaptar. Ela é filha de pais muçulmanos -a mãe, Kadija, convertida- e hoje já usa roupas que cubram seu corpo. "Ela estuda em escola muçulmana e tem muitos amigos muçulmanos. É criada em um ambiente bom", diz a mãe.
Crença celta
Denise Di Santi, 31, pedagoga, também abandonou o catolicismo "de certidão de nascimento" para se tornar uma sacerdotiza da religião wicca, uma antiga crença celta e pagã que crê em um deus e uma deusa. É a mesma religião da mitológica personagem Morgana, dos romances da Távola Redonda.
"Resgatei o respeito pelo feminino e há 11 anos vivo em harmonia comigo e com o mundo", diz Denise, que também é chamada de bruxa ou feiticeira.
O monge budista Wagner Brinzeni, 36, veio de uma família católica e era praticante. Mas diz só ter encontrado sentido em sua vida depois de uma busca interior que o levou ao budismo. "Meu primeiro contato foi por volta dos 12 ou 13 anos. A família achou estranho no início, mas depois aceitou", diz Brinzeni, que passou dois anos no Japão e fala o idioma.
Aumento de interesse
Para o rabino David Weitman, 42, da congregação beit Yakob e diretor do beit Shabat do Morumbi, o número de pessoas interessadas no judaísmo tem aumentado em São Paulo. "Muitos têm nos procurado para saber mais sobre o judaísmo, mas não para a conversão. Isso só pode ser feito por rabinos muito bem preparados em Israel", diz ele.
Segundo Weitman, os próprios judeus têm procurado voltar às raízes e seguir as tradições.
O presidente do rabinato da Congregação Israelita de São Paulo, Henry I. Sobel, por outro lado, diz que realiza cerca de 20 conversões por ano na cidade.
"O judaísmo não é proselitista. Mas os que têm verdadeiro interesse em se converter são bem-vindos", diz ele.
São Paulo registra casos de conversões de católicos para judeus e vice-versa (veja depoimentos).
Francelino de Shapanan, coordenador em São Paulo do Instituto nacional da Tradição e Cultura Afro-Brasileira, se converteu ao culto afro-brasileiro há mais de 20 anos. "Hoje a maioria de meus filhos e filhas-de-santo vieram de outras religiões. Todos são bem recebidos, mas nem todos seguem a religião seriamente."

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