São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 1996
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Zona de prostituição tem escola para 'pegar ondas'

MARCELO DIEGO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quarenta crianças (36 delas filhas de prostitutas ou ex-prostitutas) da favela do Titanzinho formam a turma da primeira escolinha de surfe de Fortaleza (CE).
O incentivo à prática do esporte está afastando os menores da criminalidade e ajudando a resgatar a dignidade do bairro.
Encravada no bairro de Mucuripe (veja mapa ao lado), próxima à zona portuária, a favela do Titanzinho é um dos maiores redutos de prostituição e violência da cidade.
Para evitar a marginalização das crianças do bairro, João Carlos Sobrinho, 28, conhecido como Fera, resolveu montar a escola.
No dia 2 de fevereiro de 1995 ministrou a primeira aula, para cinco alunos, na própria praia de Titanzinho. "O projeto foi abraçado, as pessoas passaram a comentar e um ano depois já havia crescido demais", diz Fera.
Cresceu. Hoje são 40 crianças (30 meninos e 10 meninas), com idade variando de 8 a 18 anos.
Segundo Fera, essa é a faixa etária ideal para aprender o esporte. "Antes dos 8 anos a criança não tem muita consciência do que está fazendo. Depois que faz 18 anos, acha que é muito senhor de si."
Método
Os alunos de surfe têm rotina detalhada. Antes de tudo, precisam estar matriculados e ter boas notas na escola. Todos estudam, primeiro ou segundo grau.
Às terças, quintas e domingos recebem aulas de educação física, capoeira e "surfe fora da água" -esta técnica foi desenvolvida pelo próprio Fera.
"Sempre gostei de surfar, mas não tinha dinheiro para comprar uma prancha. Então pegava emprestada de quem tinha, mas geralmente era proibido de entrar na água. Então aprendi a simular na areia o que deveria fazer dentro do mar. Isso é uma boa estratégia, dá confiança dentro da água e é o que eu ensino para as crianças", conta.
As aulas de educação física e capoeira são ministradas pelo professor Carpacho, que também dá aulas em colégios particulares de Fortaleza.
Ensinar as crianças de Titanzinho é um trabalho voluntário.
Diariamente as crianças caem na água, praticando no mar. Todo domingo, elas participam de uma competição, com regras oficiais.
Apoio
Fera recebe cerca de R$ 1.500,00 mensais para continuar o programa de ensino na favela. O salário é pago pela Maresia, uma confecção de surfwear (roupas para surfe) nordestina.
A Maresia é o único patrocinador do programa.
"Tínhamos necessidade de preencher o lado social da empresa e foi por intermédio da escolinha de surfe que estamos atingindo esse objetivo. Conseguimos tirar crianças carentes da ociosidade e demos a elas um ideal", declara Adriano Costa Lima, diretor administrativo da confecção.
No mês passado, as crianças ganharam cinco pranchas novas. Antes usavam pranchas de madeirite (material menos nobre).
A escola não tem previsão de quantos alunos comportará.
Mas o programa continua em 97, com vagas abertas. "Nossa única preocupação é conseguir um parceiro para o empreendimento", diz Fred Serra, gerente de vendas da Maresia.

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