São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 1996
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Uniforme da seleção brasileira beira o brega

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Tenho minhas dúvidas de que dê certo esse esquema com Giovanni enfiado lá na frente, ao lado de Ronaldinho. Perde-se o talento desse extraordinário jogador na armação e perde-se velocidade no ataque.
Não digo isso calcado no jogo contra a Bósnia, que aquilo era mais fim de feira, fim de temporada. Mas pelas próprias características do jogador, que, no Barcelona, atua, sim, mais avançado. Num ataque, porém, que tem Figo aberto pela direita, quando não Stoichkov, também, pela esquerda.
Agora, baseado nas suas duas escassas participações na seleção, como disse o Galvão Bueno, quero ver tirar o menino Denílson desse time.
*
Indeciso entre a gola convencional ou o recorte em V, o designer do novo uniforme do Brasil escolheu a pior solução: ambos. Resultado, nem um nem outro; restou um híbrido que beira o brega e transmite hesitação, o que, convenhamos, é péssimo para a imagem de um tetracampeão mundial.
Parece besteira, mas cores e estilo dos uniformes formam uma linguagem que muitas vezes expressa o caráter e a história de quem os veste.
Por exemplo: essa volta à cor de canarinho das nossas camisas, o que significa? Resgate de uma tradição? Mas tão jovem -se vista sob a lente da história. Pois foi em 58 que o radialista Geraldo José de Almeida, na euforia da conquista da Suécia, batizou-nos de canarinhos, embora a taça fosse levantada por um Bellini vestido de azul. Mas canarinho pegou até mais do que a Seleção de Ouro, como queriam outros comunicadores da época.
Respirava-se por aqui, então, um ar leve de montanha mineira, naqueles tempos de JK. E leve era a nossa seleção do canarinho Garrincha e do menino Pelé. Flanava-se de MG conversível na rua Augusta, e os primeiros acordes da Bossa Nova soavam como um barquinho deslizando em verde mar calmíssimo. E até o nosso guerreiro implacável, o matador dos ringues -Éder Jofre- exibia o sorriso de um garoto levado do Peruche.
O nosso Marechal da Vitória, em vez de engalanada farda, cobria-se com um surrado terno marrom, e, como arma, no lugar do fuzil, sacava de uma risada escrachada, que desarmava na hora o inimigo.
Éramos todos mesmo um bando de canarinhos.
"Canarinho? Canarinho, o gato comeu. Eu quero é 11 feras", decretou João Saldanha, o João Sem Medo, quando assumiu a seleção em meio às trevas da ditadura militar, quando já nos transformávamos em corvos grasnando agouros pelos cantos escuros.
O amarelo da camisa continuou o mesmo, mas a alma foi para o México -já com Zagallo- vestida de chumbo. Voltamos com o ouro dos despojos da conquista, que mais tarde seria fundido num quintal da Baixada Fluminense.
E a camisa foi-se escurecendo, impregnada de uma mensagem cifrada quase imperceptível, aqueles logotipos esquivos da CBD derramando-se não se sabe se sobre ou sob a camisa dos craques. E, mais uma vez fomos campeões, na América. Cinzentos campeões.
Será que dá para colher o passado no simples resgate de uma cor, como se pega um canarinho na gaiola?

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