São Paulo, segunda-feira, 23 de dezembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Papai Noel, dê ousadia para a MPB!

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Vejo na TV um extenso documentário sobre as origens do rock brasileiro. Claramente inspirado no especial dos Beatles que acompanhou os CDs da série "Anthology", o programa privilegia os chamados depoimentos pessoais.
Quem fala não é um locutor com voz de "off", mas os próprios fundadores do rock do Brasil: músicos, técnicos, produtores. E que depoimentos eles dão!
Guitarras artesanais, maratonas de rock em Salvador, Erasmo Carlos apaixonado por Gene Vincent, Rogério Duprat revelando quem fazia o quê nos Mutantes...
Como pano de fundo, uma ironia cortante. Adolescentes pouco se lixando para o que acontecia na MPB da época. Muito antes de surgirem os Sex Pistols, "destroy" já era o lema dos roqueiros brasileiros dos anos 60, mesmo que eles próprios não soubessem.
O objetivo era mandar a tradição às favas, inventar com obsessão, reduzir a pó o marasmo de sambas-canções e bossinhas novas.
Musicalmente, o resultado podia até não ser primoroso, mas o espírito acertava na mosca, a atitude estava correta.
Na mesma semana que assisti ao documentário, tinha ilido com muita atenção o fanzine/ revista "Brasa", escrito por jornalistas da pesada na área cultural e que trata basicamente da senilidade inata da chamada nova MPB.
A principal idéia exposta no "Brasa" é que a música de gente como Marisa Monte, Chico César e Arnaldo Antunes nada tem de nova, na medida em que surge como uma espécie de filho levemente rebelde, mas perfeitamente consentido, do establishment caetânico que há 30 anos dita as regras na MPB.
Esses tentáculos de legitimação obrigatória resvalam até no rock: afagam Chico Science, encontram-se com o Sepultura. E estes recebem enlevados o "nihil obstat" dos tiozinhos.
Nesse sentido, Eduardo Araújo era muito mais inovador do que Chico César. Não foi pedir a bênção de João Gilberto para aparecer de jaqueta de couro na TV e fazer uma música que nada tinha a ver com o que dominava a cena cultural no Brasil de então.
Com 1997 aí na esquina, nem precisamos de bola de cristal para saber o que nos espera: artistas novos vão posar para fotos abraçados a Caetano Veloso, que vai lançar seu milionésimo disco "bonito" (ao vivo, ou com orquestra, ou em espanhol, um maneirismo qualquer que lhe dê um verniz de "diferença"), que vai ser elogiado por Marisa Monte, que vai regravar algum clássico obscuro da MPB, que vai ser misturada a sons de "vanguarda" por algum "gênio" multimídia tipo Arnaldo Antunes, que lançará um livro de poesia prefaciado por algum nomão das letras nacionais etc. etc. etc.
Feliz 1997 para quem merece.

Texto Anterior: O esperma também 'amadurece' e exige tempo
Próximo Texto: "People", Babe the Blue Ox; "The Hunt", Guv'ner; "Mundi", O Rappa
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.