São Paulo, sexta-feira, 27 de dezembro de 1996
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Descaminho remete à trajetória de Nijinsky

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Jairo Sette pertenceu a uma nata de bailarinos que protagonizou momentos especiais da dança em São Paulo. Junto a nomes como Edson Claro e Armando Duarte, que hoje é professor e coreógrafo nos Estados Unidos, Sette integrou o grupo de atletas da USP que se transformou em um dos mais bem preparados elencos masculinos do Brasil.
Na época, a companhia que melhor soube aproveitar aquele grupo de formandos em educação física foi o Cisne Negro, dirigido por Hulda Bittencourt. Suprindo a falta de homens do balé brasileiro, os atletas da USP integraram o elenco fundador do Cisne Negro, que projetou a companhia como uma das melhores do país.
No Cisne Negro, Sette destacou-se como bailarino e ensaiador de balés. "Super detalhista", segundo Hulda Bittencourt, revelou-se ótimo profissional.
Ao ingressar no Balé da Cidade de São Paulo, no início dos anos 80, passou a ostentar mais uma grande companhia em seu currículo. Para completar, somaria experiências nos Estados Unidos e Europa.
Em Nova York, Sette conviveu com Alvin Ailey, uma das grandes personalidades da dança moderna norte-americana. Do coreógrafo argentino Oscar Araiz, autor de "Maria Maria", obra que lançou o Grupo Corpo, ganhou um contrato para dançar na Suíça, no Ballet du Grand Théâtre de Geneve.
Tal trajetória, no entanto, não é somente sinal de talento. Como se sabe, ser bailarino no Brasil, principalmente quando se é do sexo masculino, significa se armar de garra especial para enfrentar preconceitos, dificuldades de formação e aprimoramento técnico, além de um mercado de trabalho restrito e instável.
Perante esta realidade cercada de incertezas, há os que saem do país, na trilha dos inúmeros brasileiros que vêm obtendo reconhecimento em diversas partes do mundo.
Entre os que ficam, resta disputar oportunidades nas poucas companhias e lidar com as escassas garantias de sobrevivência artística e financeira.
Se tais adversidades incentivam a criatividade de alguns, podem também ter agredido em níveis fatais a sensibilidade de Sette, que muito provavelmente sentiu-se rejeitado.
Em troca às agressões sofridas, ele parece ter decidido dar as costas para o mundo, tentando inverter papéis. Misturando lucidez e loucura em sua caminhada sem fim pelas ruas de São Paulo, lembra o descaminho que também marcou a trajetória de Nijinsky.
Mês passado, sua condição absurda inspirou um de seus antigos colegas, Raymundo Costa, a criar a coreografia "Falling Angels". Metáfora sobre a solidão urbana, este espetáculo mostra um ser humano frágil, que consegue superar suas dificuldades quando lhe é oferecido apoio.
Mais uma vez, Sette remete a Nijinsky, que em 1971 levou Maurice Béjart a coreografar "Nijinsky, Clown de Dieu", sobre um jovem que busca incessantemente a verdade da vida.
Contudo, cai no vazio qualquer especulação prematura sobre Sette. No labirinto mental que o isola, resta crer na chance de um caminho de volta, que o traga à atuação competente que um dia exibiu.

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