São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 1996
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A revolução de 1997

MARCELO LEITE

Quando escrevi a coluna "Ainda não foi desta vez", há exatos três meses, não poderia imaginar que voltaria a fazer um novo balanço trimestral do ombudsman (veja quadro à direita). Aquele deveria ter sido meu último texto na função, pois o segundo e último mandato se encerrara dois dias antes, em 27 de setembro. Uma hepatite contraída por Mario Vitor Santos, porém, suspendeu a transmissão do cargo.
A alforria ficava adiada por três ou quatro semanas, imaginou-se na época. Já demora três meses.
A boa nova é que Santos teve enfim a sua alta. Isto quer dizer que a Folha começará 1997 de ombudsman novo (mas pelo menos mais uma coluna ainda será assinada por mim). Que seja um bom ano, um ano melhor, para todos. Principalmente os leitores.
1996 foi ruim
Do ponto de vista da circulação, o ano que acaba não foi dos melhores para os grandes jornais diários brasileiros. Depois das tiragens ensandecidas de 1994 e 1995, houve ligeira queda (da ordem de 6%), segundo a publicação especializada "Meio e Mensagem" do último dia 16. O levantamento teve por base dados do Instituto Verificador de Circulação para outubro.
No caso da Folha, a redução da edição dominical, de importância estratégica por causa dos rentáveis classificados, foi alarmante. De 1,253 milhão de exemplares em outubro de 1995, baixou para 887 mil, 12 meses depois.
Não tenho competência nem ânimo de interpretar as cifras de um ponto de vista empresarial. Como ombudsman que ouve hoje em dia somente impropérios contra os fascículos, não posso deixar de associar a queda com o esgotamento do expediente de marketing pejorativamente batizado de "anabolizante", entre jornalistas.
Há males que vêm para bem, diz uma frase feita. Neste caso, sob medida. Pode ser um sinal de que, passados os vendavais dos fascículos, reformulações gráficas e reduções de equipes ("downsizing"), as redações enfim começarão a atacar o verdadeiro, o velho, o grande problema: qualidade.
Faço votos de que 1997 marque o início da revolução substantiva na imprensa no Brasil. Até agora, o que se viu foram adjetivos e advérbios.
Críticas ignoradas
Recebi por correio eletrônico, do estudante de medicina da Unicamp Gustavo Cunha, um questionamento difícil de responder:
"Todos os domingos, o sr. inunda com críticas a Folha, que em parte contemplam a indignação da semana. No entanto, além de apaziguar os ânimos dos leitores indignados, o que é uma função comercialmente importante, suponho, qual é na verdade a sua função nesse jornal, se suas críticas parecem ser solenemente ignoradas?"
A primeira coisa que ocorre responder é que elas são ignoradas, sim, mas sem a menor solenidade. Seria só uma blague, rasa como todo trocadilho. Na realidade, o trabalho do ombudsman não é ignorado, embora seja difícil dar exemplos de efeitos concretos de sua ação (como a publicação de uma segunda lista de aposentadorias especiais, a dos ex-combatentes, uma semana depois das críticas sobre a primeira na coluna "Como usar um jornal", de 24 de novembro).
No fundo, a função é altamente abstrata. Consiste em dar o máximo de importância a cada caso de informação errada, distorcida ou injusta, embora poucos alcancem relevância atemporal, capacidade de sobreviver ao esquecimento imposto pela sucessão frenética de edições do jornal.
Seu fulcro está na atitude, não nos resultados.
Respondendo diretamente a Gustavo Cunha, diria que a função do ombudsman é incomodar a Redação. No sentido de tirar os jornalistas da situação cômoda em que muitos se imaginam, a de não ter de prestar contas a ninguém, mesmo exigindo-as de todos. Apurar cada demanda e dar resposta a todos os leitores é mais uma questão de método.
"Accountability"
O palavrão, intraduzível, é a forma de resumir, na língua inglesa, essa condição que tanto faz falta na imprensa brasileira e de boa parte do mundo. Em português, vira pelo menos três palavras e perde a força sintética: obrigação de prestar contas.
Desde a origem, o ombudsman de jornal sempre esteve associado com essa forma voluntária de quixotismo. Pode ser encontrada, por exemplo, nos memorandos em que o jornalista Philip M. Foisie propôs a criação do cargo, em novembro de 1969, a Ben Bradlee, editor-chefe do diário "The Washington Post". Traduzo alguns trechos mais significativos de uma brochura editada pela Organization of News Ombudsmen (mais informações podem ser encontradas na "web page" da ONO na Internet, http://www.infi.net/ono/):
"Não precisamos ficar na defensiva, nem com o público, nem com a Redação. Não devemos refletir publicamente uma preocupação com a pressão externa... Nossa motivação primária é impor a nós mesmos uma obrigação formal de prestar contas que o costume e a Constituição nos negaram. (...)
"Perante a Redação, eu ressaltaria que do ponto de vista profissional -se o mundo for justo- muita honra e prestígio recairão sobre aqueles que tiverem a coragem de ser pioneiros nisso e de trabalhar sob a disciplina incrementada que a existência de um ombudsman implica. Mas não deve haver incremento de inibição -apenas o comedimento que todo jornalista deveria sentir quando tenta ser exato e justo.
"Deveríamos ser otimistas. Vamos nos machucar, vamos nos constranger, mas deveríamos pressupor, em público e em particular, que isso só vai trabalhar em nosso favor no longo prazo, porque nós somos bons e a maioria de nossos leitores é justa."

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