São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 1996
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Para Di Stéfano, Ronaldinho só finaliza

RODRIGO BERTOLOTTO
DE BUENOS AIRES

Alfredo Di Stéfano é o sinônimo perfeito de jogador internacional. Nasceu em Buenos Aires, neto de italianos, bascos e irlandeses.
Além do mais, tinha o apelido de "O Alemão" quando deixou a Argentina para jogar e triunfar na Colômbia e Espanha.
Vestindo a camisa branca do lendário Real Madrid dos anos 50, ele conheceu a fama, os títulos e se transformou em "La Saeta Rubia", em português "A Flecha Loira" (leia texto nesta página).
Hoje, aos 70 anos, os poucos cabelos restantes trocaram a cor amarela pela branca. E as pernas, que o transportavam por todo o campo, o fazem sentir dores contínuas na panturrilha.
Mesmo assim, luta agora com ímpeto para conservar suas opiniões como antes fazia para manter a bola em seu pé.
A expressão ranzinza desaparece à medida em que fala. E a cada frase mostra porque guarda com zelo suas idéias e pensamentos.
Um exemplo: "Ronaldinho é um finalizador. Mas um grande jogador é outra coisa."
A Folha conversou com Di Stéfano durante sua passagem neste mês por Buenos Aires.
Ele retornou a sua cidade natal para receber uma distinção do governo argentino que somente dois esportistas ganharam até agora: o golfista Roberto de Vicenzo e o piloto Juan Manuel Fangio.
Di Stéfano ficou duas semanas na Argentina e voltou rápido para sua pátria de adoção, a Espanha.
*
Folha - Todo jogador estrangeiros que triunfa na Espanha é comparado ao senhor. O último exemplo é o Ronaldinho, no Barcelona. O que pensa dele?
Alfredo Di Stéfano - É um finalizador, seu espaço dentro de campo é curto, os últimos 25 metros do gramado. Mas um grande jogador é outra coisa. Para Ronaldinho, ainda falta uma trajetória dentro do futebol. Ele tem muitas condições. Antes, porém, terá de aprender a não ficar impedido 12 ou 14 vezes em uma só partida.
Folha - Qual é a sua opinião sobre o futebol brasileiro atual?
Di Stéfano - É o único país do mundo que manteve sempre a categoria. O Brasil segue sua tradição de elegância, sem ficar batendo cabeça. Seus jogadores aprenderam a cartilha direitinho e não esquecem. E olha que os gramados são altos no Brasil. Não se vê se os jogadores estão calçados ou não.
Folha - E o futebol argentino?
Di Stéfano - Caiu nos últimos anos, enquanto os outros sul-americanos evoluíram. Por isso, a Argentina está tendo dificuldades nas eliminatórias para a Copa. Depois de Maradona, não surgiu ninguém. Em 1978, estavam Passarella e Kempes. Hoje, o melhor jogador está fora da seleção: Fernando Redondo. Para mim, é a melhor figura dos clubes espanhóis.
Folha - Qual é então o problema do futebol argentino?
Di Stéfano - É justamente que produz para exportar. Dessa forma, sobram os juvenis de futuro em um país sem mestres, porque esses estão no exterior. Agora mesmo, passeando por Buenos Aires, vi muitos empresários europeus.
Na minha época, só um jogador muito burro não aprendia o ofício, porque havia muitos mestres. Eu mesmo tive uns oito mestres.
A transferência prematura para a Europa interrompe o aprendizado. Além do mais, os jogadores sul-americanos sofrem nos campeonatos europeus para poder se firmar, como foi o caso de Batistuta e Balbo na Itália. Eu cheguei à Espanha com 26 anos, já era um futebolista formado.
Folha - Como o senhor compara o futebol dos anos 40 e 50 com o que é jogado atualmente?
Di Stéfano - Mudou a tática. Os times privilegiam a defesa e jogam em contra-ataque. Com isso, sumiram os dribladores. Também mudou o comportamento de jogadores e técnicos, que começaram a ganhar muito dinheiro.
Folha - O senhor é contra os altos salários da atualidade?
Di Stéfano - Não é isso. Os jogadores merecem tudo que ganham. Alguns dizem que os homens passam, e as instituições ficam. Eu acho que quem deve ficar é o atleta, e com muito dinheiro. Fala-se que fulano ganha milhões, mas, na verdade, o fisco fica com a metade.
O interessante é que os técnicos também começaram a ganhar fortunas. Eles viraram estrelas e têm de justificar a fama gritando como loucos durante os jogos.
Já estou vendo o dia em que os técnicos vão se tornar relações-públicas. E vai aparecer um batalhão de ajudantes, que trabalharão com a equipe durante a semana. Além do treinador de goleiros, teremos o treinador de atacante, de lateral e de meio-campista.
Folha - Mas os técnicos não têm cada vez mais responsabilidade no desenvolvimento das partidas?
Di Stéfano - Essa é a desculpa ideal para os jogadores sem personalidade. Uma vez que a bola deu sua primeira volta em sua circunferência, a primeira e a última palavra é a dos jogadores. E, na hora das grandes decisões em campo, aparecem os grandes futebolistas.
Folha - Então falta personalidade aos jogadores atuais?
Di Stéfano - Não quero generalizar, mas veja o exemplo das faltas. Hoje, os jogadores simulam dores inexistentes. É só dar uma trombada para sair rolando pela grama gritando. Na minha época, se alguém agisse assim, era chamado de chorão. Era cair, sacudir a roupa e levantar. Mas agora todos se atiram no chão e estrebucham, mesmo todos sabendo que um jogador machucado seriamente fica imóvel no gramado.
Folha - Uma contusão tirou o senhor da Copa do Chile, em 1962. O senhor acredita que, estando presente, a história poderia ser outra?
Di Stéfano - Se eu tivesse jogado, a Espanha poderia ter levado o título, e não o Brasil. Bom, eu classifiquei a Espanha para aquela Copa, com o gol que marquei contra o País de Gales nas eliminatórias. O problema foi que nosso técnico, Helenio Herrera, pediu para que eu emagrecesse quatro quilos. Tive um problema muscular nas costas. Treinava dez minutos e sentia uma dor terrível. Cheguei até a dormir com a lâmpada do abajur nas costas para me dar calor e poder jogar.
Folha - Não ter ganho uma Copa do Mundo foi a grande frustração de sua carreira?
Di Stéfano - Eu queria dar essa satisfação para minha família. Meus pais foram a Santiago me ver jogar aquela Copa, mas ficaram só na vontade.
Folha - Com o Real Madrid, o senhor conheceu uma galeria de títulos espanhóis e europeus. Aquele time era melhor, igual ou pior do que o Santos dos anos 60?
Di Stéfano - O futebol e os times obedecem ciclos. Não há como comparar times em tempos distintos. Os húngaros foram, por um momento, um verdadeiro espetáculo. Os portugueses do Benfica, Eusébio, Torres, Simões e Águas, eram um conjunto de maravilhas. O Liverpool teve sua época. O mesmo aconteceu com o River Plate, o Real Madrid e o Santos.
Folha - Como era jogar no Real ao lado do húngaro Puskas?
Di Stéfano - Nunca vi um jogador mais mortal do que ele. Onde punha os olhos, colocava a bola. Eu, muitas vezes, passava para Puskas e já virava para a torcida, antes de ele chutar a gol. Via que os torcedores levantavam os braços, e eu já começava a comemorar.
Olha, eu chamava o estádio do Real Madrid, o Santiago Bernabéu, de "A Fábrica", porque ali ganhávamos nosso prato de comida. Para nós, trabalhar era treinar, jogar bem e ganhar.
Folha - O senhor compararia Pelé e Maradona? Qual é o melhor?
Di Stéfano - Olha, Maradona foi mais completo que o brasileiro. Pelé era terrível do meio-campo para frente. Tinha velocidade e definição, mas não possuía a habilidade e a maestria de Diego em todo o campo. É um pecado o que aconteceu com ele. Poderia ter sido o maior de todos os tempos.
Folha - E como você analisa o Di Stéfano treinador?
Di Stéfano - Nunca fiquei me vangloriando de batalhas em campo que participei. Nunca.
Isso eu guardo para minha família, meus netos e meus amigos. Tentei, sim, ensinar como se cobra uma falta, um escanteio. Os técnicos têm de ensinar tudo, porque muitos jogadores chegam à primeira divisão sem saber como andar sobre a grama.
Eu era um técnico duro, mas não precisava usar chicote. O que pedia para meus jogadores era seriedade, trabalho e constância.

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