São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A bebida que virou bombom

GABRIEL BOLAFFI
ESPECIAL PARA A FOLHA

O uso do chocolate na forma de tabletes, recheio de tortas e doces ou qualquer outro que não fosse bebida somente se difundiu a partir de 1848. Até então, o chocolate chegara do Novo Mundo para tornar-se, junto com o café, a coqueluche das elites urbanas do século 18 europeu. As duas bebidas logo se tornariam um importante pretexto de relacionamento social.
Pontos de encontro já existiam em Londres, Paris e outras cidades desde o final do século 17. Eram as chamadas "coffe houses" ou "cafés". Na realidade, os primeiros cafés já haviam surgido em Viena e Veneza após a derrota dos otomanos às portas de Viena, em 1683. Na fuga, os turcos haviam abandonado estoques consideráveis de café, contribuindo para a sua maior difusão no Ocidente.
Em Veneza, surgiram elegantes salões decorados com espelhos e dotados de cômodas poltronas, nas quais os mercadores passavam suas tardes para espairecer e fofocar, enquanto sorviam aquela bebida quente e reconfortante.
Em 1672, chega a Paris Francesco Procopio dei Coltelli, um nobre siciliano empobrecido. Em 1686, Procopio inaugurou em Paris uma daquelas casas que tanto sucesso faziam em Veneza. Sua iniciativa foi felicíssima. Já chamado pelo nome afrancesado de Procope, o nobre siciliano aproveitou seu prestígio para introduzir todas aquelas receitas que seus ancestrais árabes, normandos e espanhóis conheciam havia séculos: café, xaropes de anis, groselha e framboesa, licores de amêndoas, sorvetes e, finalmente, o glorioso chocolate das Américas.
As causas de tão grande e rápido sucesso são fáceis de entender. O café e o chocolate -este último em quantidade bem menor- possuem alcalóides como a cafeína e a teobromina, que exercem poderoso efeito estimulante. Este efeito, embora seja apenas perceptível nos organismos já habituados à sua ingestão, é potentíssimo nas primeiras tomadas, a ponto de equiparar-se àquele das anfetaminas. Assim, entende-se como as pessoas tornaram-se confiantes, simpáticas e loquazes, sem padecer dos efeitos colaterais das bebidas alcoólicas.
O talento de Procope não se deteve nas bebidas. Outra das suas importantíssimas inovações foi a de fornecer um noticiário sobre os acontecimentos mais importantes, na forma de um jornal mural, afixado na chaminé da lareira. Os clientes chegavam, tiravam seus mantos e, enquanto se aqueciam ao pé do fogo, se informavam sobre as últimas novidades.
O chocolate, tal como o degustamos hoje, somente começou a se difundir na segunda metade do século 19, após uma série de inovações tecnológicas que permitiram eliminar parcialmente a manteiga de cacau, adicionar açúcar e leite em pó.
Mas a grande e fantástica inovação no sabor do chocolate somente iria acontecer na Itália, em Turim, na virada do século, quando surgiu a grande família dos Gianduia, por meio de diferentes formas de adição de avelãs, pasta de avelãs ou, melhor ainda, ambos, ao chocolate. O mais conhecido deles, provavelmente o primeiro a aparecer, foi o Gianduiotto, apenas chocolate e pasta de avelã. Em seguida apareceu o Nociolato, massa Gianduia recheada com uma boa porção de avelãs torradas inteiras. Em seguida apareceram os Baci Perugina e bem mais recentemente os bombons Ferrero-Rocher, que tanto sucesso estão fazendo entre nós. Muito gostosos, mas mais populares e menos sublimes do que uma dentada de Nocciolato Caffarel-Prochet.
Aqui, no Brasil, quando a Lacta lançou um dos seus maiores sucessos, o Sonho de Valsa, ainda no final dos anos 40, a intenção foi criar algo parecido com algum Gianduia, com avelã e tudo. Deu certo e resistiu à econômica eliminação da avelã. Muitas décadas depois, Ferrero-Rocher faria um Sonho de Valsa de Primeiro Mundo, pois é disso que se trata.
Outra produtora de chocolates refinados é a Bélgica, com duas tendências principais. Os chocolates "amargos", inclusive bombons, muito sofisticados, e os chocolates tipo Gianduia, também "praliné" de avelã. São aquelas caixas com bombons não-recheados, em forma de frutos do mar variados. O chocolate amargo difundiu-se pelo mundo todo e em alguns países da Europa continua sendo o preferido.
A última grande inovação foram os bombons, ainda na Belle Époque. Chocolate recheado com toda sorte de ingredientes como "fondant" com diferentes sabores, frutas em calda, torrões e tudo o mais que o leitor conhece. Foi nessa época que caixas de bombons ou de marrons glacés, uns e outros acompanhados por autênticas violetas cristalizadas, entraram na moda como fino artifício masculino para conquistar ou lisonjear amadas e amantes.
Só para concluir com uma curiosidade, um dos lanches mais frequentes para as crianças levarem na escola, na Itália, na França e em outros países europeus, é um sanduíche de um pãozinho com uma barra de chocolate. Não faz mal nem à pele e nem ao fígado, e quem afirma o contrário é vendedor de goiabada.

Texto Anterior: Os pecados de uma trufa
Próximo Texto: Um purgatório temporário
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.