São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 1996
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O projeto Floram e o Brasil

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE
DO CONSELHO EDITORIAL

No começo do século, era corrente um aforismo segundo o qual um homem só se realizava plenamente quando gerasse um filho (macho, de preferência), publicasse um livro e plantasse uma árvore.
Uma certa Academia Internacional de Ciência acaba de distinguir dez pesquisadores brasileiros devido a um projeto de plantio de 400 milhões de hectares, metade da área territorial brasileira, com florestas.
Seriam dez trilhões de árvores, um trilhão por pesquisador (um trilhão é aquele número que se escreve com 12 zeros). O custo seria de US$ 400 bilhões, cabendo US$ 20 bilhões para o Brasil, que plantaria 20 milhões de hectares.
Supreendentemente, não foram os autores chamados de megalomaníacos. Aliás, devemos ser-lhes gratos, pois imaginem só se, em vez de plantar árvores, tivessem optado por gerar filhos ou -pior ainda- escrever livros. Mas a motivação é legítima, e plantar árvores é sempre gracioso.
É o Sol que fornece ao nosso planeta a energia necessária para que este mantenha a temperatura relativamente elevada atual. Toda matéria emite energia em forma de radiação eletromagnética se estiver sob uma temperatura diferente do zero absoluto (-273°C).
Assim, a Terra recebe continuamente energia do Sol na forma de emissão eletromagnética, principalmente luz visível, infravermelho próximo e um pouco de ultravioleta, radiações de frequência elevada, pois a superfície do Sol está sob uma temperatura de 5.000°C, aproximadamente.
A Terra reemite esta mesma quantidade de energia, mas a frequências muito baixas, infravermelho longínquo, pois está sob temperaturas muito menores. Acontece que há na atmosfera alguns gases que absorvem a radiação emitida pela Terra e a reemitem de volta, mas são transparentes aos raios vindos do Sol.
Com isso, a energia eletromagnética fica "aprisionada" na atmosfera, e a temperatura média da superfície da Terra aumenta em relação àquela que teria se tais gases não existissem. A esse fenômeno foi dado o nome de efeito estufa, por analogia ao que acontece com esses galpões agrícolas em que o vidro comum, transparente para a luz visível e opaco para a infravermelha, atua como os gases acima mencionados, aprisionando a energia eletromagnética.
O principal responsável pelo efeito estufa atmosférico é o gás carbônico (CO2), produzido pela respiração de animais e plantas e pela combustão de biomassa, carvão, petróleo, gás natural etc.
Esse gás é reabsorvido por plantas em crescimento (fotossíntese) e por alguns processos químicos e bioquímicos que produzem moléculas estáveis, tais como carbonatos etc.
Em 1958, foi iniciado no Havaí um monitoramento sistemático da densidade de CO2 na atmosfera.
Esses dados foram complementados com amostragem de ar apreendido em formações glaciais pré-históricas.
Concluiu-se que até o início da revolução industrial o teor de CO2 na atmosfera vinha declinando.
A partir de então, passa a crescer devido à queima exacerbada de combustíveis fósseis. Quando já na década de 70 ficou claro que o aumento do efeito estufa teria consequências climáticas catastróficas, como, por exemplo, a inundação de vastas regiões litorâneas devido à fusão dos gelos polares, pensou-se em meios de controlar a emissão de CO2.
A primeira e mais elementar proposta foi a de plantio de vegetação, hoje ressuscitada de maneira monumental pelo projeto Floram. Essa idéia foi logo abandonada pelos motivos que ficarão claros a seguir.
A melhor produtividade alcançada é de 50 t de fitomassa por hectare (Aracruz), o que neutraliza aproximadamente 20 t de combustível fóssil.
Ora, o consumo global de combustíveis fósseis é de 10 bilhões de toneladas. De fato, com um pouco mais do que a área prevista pelo projeto, podem-se neutralizar as emissões de CO2 devido aos combustíveis fósseis. Todavia sejam essas florestas perenes ou renováveis, após o período de implantação, dez anos neste último caso, não haverá mais neutralização das emissões de CO2.
Ou seja, em vez de termos Copacabana inundada daqui a 40 anos, o cataclismo ocorrerá em 50 anos.
Aliás, o Floram, em sua escala planetária, conseguiria, na melhor das hipóteses, neutralizar as emissões devidas à devastação da Amazônia.
Seria uma hipocrisia despender US$ 20 bilhões para reflorestamento e, simultaneamente, atrair os predadores que já devastaram as florestas do sudeste asiático por algumas migalhas na exportação de madeira, além de esquivar-se de qualquer repressão às queimadas, que continuam ocorrendo atualmente.
O Floram assume, assim, o papel de álibi para a alienação da sociedade em face da devastação da Amazônia e do desperdício de combustível fóssil. É, antes de tudo, uma desculpa para a supressão de legítimas e permanentes formas de contenção do efeito estufa, ou seja, a substituição de combustíveis fósseis por alternativas não-poluentes.

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