São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 1996
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Alemanha condena repórter 'mentiroso'

The Independent
de Londres

IMRE KARACS
EM BONN

Um repórter de televisão alemão com um talento especial para os contos de fada estará passando os Natais dos próximos quatro anos na cadeia.
Ele foi preso há duas semanas por ter levado longe demais sua veia criativa.
Michael Born, 38, free-lance, foi preso na sua cidade natal, Koblenz (Alemanha), acusado de fraude, incitamento ao ódio racial, crueldade com animais e por dirigir sem licença.
Ele vendeu a diversas redes de televisão diversos "documentários". Suas produções eram antes baseadas em sua fértil imaginação do que em fatos reais.
Peças teatrais
Os "documentários" eram verossímeis peças teatrais, em que se usavam atores pagos para possibilitar a encenação de enredos surrealistas.
Sua "reportagem" mais elogiada, em que membros da Ku Klux Klan aterrorizavam pessoas numa floresta em Rhinelander (região dos Grandes Lagos, norte dos EUA), teria ganhado um prêmio se não tivesse sido desmascarada por um atento policial.
Born reuniu alguns amigos vestidos com túnicas e gorros brancos, gravou seus violentos discursos anti-semitas e espalhou suásticas para dar um sabor local ao documentário.
"Caça ao gato"
Em outra tomada, o repórter alemão encenou uma "caça ao gato". Um pequeno gato de rua é baleado pelos atores ao final de uma caçada esportiva por um bosque.
Ele também se meteu com tráfico de escravos, entrevistou líderes terroristas fictícios e encenou uma batalha sangrenta na fronteira da Albânia com a Grécia.
Born ganhou mais de US$ 200 mil durante os cinco anos em que forneceu reportagens para várias emissoras de TV que têm programas sensacionalistas.
Durante os quatro meses que durou seu julgamento, Born, confrontado com as provas da acusação, não era mais capaz de contar uma mentira.
"Eu me sinto culpado perante os telespectadores", ele admitiu, "mas não perante as redações das televisões".
Sua defesa se limitou a alegar que Born não enganou ninguém, porque seu público estava inteiramente consciente de que consumia diversão. Eles sabiam que não era jornalismo.
Dúzias de testemunhas disseram no tribunal que a abundância de TVs a cabo e canais via satélite que competiam pelos documentários de Born poderiam facilmente verificar a veracidade de suas reportagens.
Eles não o fizeram porque tinham medo de perder uma "boa história".
Veredicto
O canal Stern TV, ligado à revista alemã "Stern", foi informado em agosto de 1995 por um fabricante de móveis da Suécia que a reportagem de Born sobre trabalho infantil na indústria de carpete indiana era uma fraude.
"A Stern TV nunca teve a intenção de desmascarar as muitas invencionices de Born", disse o juiz Ulrich Weiland, ao anunciar o veredicto.
Por cumplicidade, Weiland julgou toda a indústria culpada de fraude, mas apenas Born vai pagar pelo crime.
Os poderosos que financiaram suas ações estão em liberdade, porque, como o juiz notou com pesar, "não há nenhuma lei contra redes de TV que enganem seus telespectadores".

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