São Paulo, segunda-feira, 30 de dezembro de 1996
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A orquestra e o banheiro

RUI NOGUEIRA

Brasília - O Brasil sofre de um probleminha crônico: a dificuldade em distinguir o que é urgente e o que é importante. Essa conversa de reeleição é um bom exemplo -pode até ser importante, mas urgente é que não é.
O escritor Vergílio Ferreira tinha uma historinha sobre isso. Costumava perguntar o que era mais importante, assistir a um concerto de música clássica com a melhor orquestra, o melhor maestro e o melhor programa, ou ir ao banheiro. A dor de barriga, no meio do concerto, transforma a urgência de ir ao banheiro, pelo menos momentaneamente, no ato mais importante.
No Brasil, há tanto para consertar que governo e Congresso bem que poderiam se entender sobre quando ouvir música e quando ir ao banheiro.
O xis da questão é que, entre resolver a vida política de FHC com mais de dois anos de antecedência e a vida de cada cidadão, a reeleição não é, em hipótese alguma, o assunto mais importante. E tudo piora quando seus timoneiros trabalham movidos pelo espírito do vai ou racha.
No Congresso, não querendo achar que os parlamentares são os atravancadores da nação, é possível votar uma medida corporativa à velocidade da luz. Propostas mexendo com a vida real -aborto, transplantes de órgãos, a volta dos cassinos- ficam anos na bacia das almas.
Sob o argumento de que são assuntos polêmicos, tramitam ao ritmo da protelação e da manobra esperta. A discussão sobre um plebiscito antecedendo a reeleição, por exemplo, o Congresso não faz -apesar de ter lá um projeto com essa proposta. Como se diz no linguajar popular, sentou em cima.
Em um país que tem 57 mil presos em delegacias, 31 mil já condenados pela Justiça, urgente é discutir e aprovar a proposta que estipula a adoção de penas alternativas. Pelo menos 18% da população carcerária (26 mil) melhoraria de vida.
Este é um assunto para ser discutido com a urgência de quem corre para o banheiro e não com a quietude de quem ouve uma orquestra.

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