São Paulo, segunda-feira, 30 de dezembro de 1996
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A Nova Roma

DARCY RIBEIRO

Queria ter recebido no dia 17 último, na praça do Campidoglio, em Roma, que é o centro da civilização ocidental, a comenda que o prefeito de Roma me daria.
Falo do prêmio Roma-Brasília, que me foi concedido com o respectivo título, alguns dinheiros e uma miniatura da loba romana.
Se fosse pequenininha eu a carregaria no peito, mas, grande como é, a levarei onde for na minha cadeira de rodas.
Fui representado no Campidoglio pelo embaixador do Brasil na Itália, Pires do Rio, que disse ali aos romanos em espanto a minha oração:
"Tenho o coração pulsando de alegria pelo prêmio que hoje me é dado. Só mesmo eu posso avaliar quanto me comove este vínculo Roma-Brasília. Tenho para isso fortes razões.
Eu sou o que vem de volta. Saí de Roma há 2.000 anos, nos ofícios de soldado e de romanizador da Europa. Por 1.500 anos acampei na Ibéria, latinizando a gente bárbara de lá.
Foi tarefa dura. Tanto fazê-los entender e falar latim, com suas bocas estranhas, que o deformaram bastante, como, e sobretudo, mantê-los latinizados.
Sucessivas invasões lá foram ter, querendo ali assentar-se permanentemente. Principalmente as árabes, que tomaram e mantiveram o poder por um milênio, tudo fazendo para desfazer nossa obra de latinização. Resistimos. Vencemos.
Há 500 anos atravessei o mar grosso nas naus lusitanas e vim ter aqui nas terras selvagens do Brasil. O desafio se repetiu, maior ainda.
Agora se tratava de latinizar os índios bravos da floresta, tantíssimos; os negros, milhões deles que trouxemos da África; além dos europeus e gentes orientais de fala truncada, que tivemos também que latinizar.
Somos hoje um povo só, a Nova Roma. Unidos pela língua, pela cultura e pela destinação como a maior das províncias neolatinas. Somos nós que representaremos a tradição romana no concerto dos povos dos próximos séculos e milênios.
Nós o faremos simultaneamente com a tarefa maior de nos modernizarmos, de dominarmos as mais avançadas ciências e técnicas para realizar, em grandeza, nosso destino de futura civilização latina, morena e tropical.
Orgulhosa de ser a Nova Roma, uma Roma melhor, porque lavada em sangue índio e em sangue negro".
Há quem conteste nossa romanidade. Tolice. Se não somos nós que encarnamos Roma, quem será?
Apenas aceito um reparo, o de que o nós da identificação romana se refere a toda a América Latina.

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