São Paulo, terça-feira, 31 de dezembro de 1996
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Ruy Guerra reencontra Chico

DANIELA ROCHA
DA REPORTAGEM LOCAL

Dez anos depois de trabalhar com um texto de Chico Buarque -que co-roteirizou com Ruy Guerra a versão cinematográfica para sua peça "Ópera do Malandro"-, o cineasta Ruy Guerra prepara novo trabalho baseado em outro texto de Chico, o romance "Estorvo", que começa a ser filmado após o Carnaval.
"Foi uma grande coincidência", disse o cineasta, que adianta que a parceria com Chico vai render novas produções. "Temos projeto para fazer mais um musical", contou. "Só espero que a próxima coincidência leve menos que uma década para acontecer."
O filme "Ópera do Malandro" foi lançado há uma década, no Natal de 1986. Na segunda semana de janeiro de 97, será relançado em vídeo, em cópia melhorada -porque a anterior estava muito escura, segundo Guerra. Ele e Chico são parceiros em cinema, música e teatro. Nesta entrevista, o cineasta comenta os filmes "Ópera do Malandro" e "Estorvo" e fala sobre o trabalho ao lado do amigo Chico.
Folha - "Ópera do Malandro" é um dos seus filmes preferidos?
Ruy Guerra - É um filme querido, talvez por um ato de inconsciência. Foi uma aventura fazer um musical. E o conhecimento técnico que possuíamos na época era nenhum. Ter conseguido fazer foi uma bênção dos deuses. Era para ser um fracasso total.
Hoje, quando revejo, me agrada. Sua proposta básica era subverter os conceitos do musical tradicional americano utilizando a própria linguagem do cinema americano.
*
Folha - Na época você afirmou que a roteirização ao lado de Chico Buarque demorou três anos.
Guerra - Foi muito demorada. Todos os dias nos encontrávamos por volta das três da tarde e ficávamos até as oito da noite na casa do Chico. Quando não acontecia nada, ficávamos conversando, consultando dicionários. Em determinado momento tínhamos mais de 30 histórias diferentes.
Folha - Quem teve a idéia de roteirizar a peça para cinema?
Guerra - Foi uma questão de circunstância. O Marin Karmitz (da produtora francesa MK2) tinha visto "Erêndira" e me sugeriu fazer um musical. Um distribuidor propôs algo como a "Ópera dos Três Vinténs" brasileira. Eu disse que isso já existia, feito pelo Chico, para teatro. Fui ao telefone no bar, liguei para o Chico e pedi os direitos de "Ópera do Malandro". E pronto, foi assim.
Folha - Quando você voltou ao Brasil para roteirizar, quem decidiu fazer o trabalho em conjunto?
Guerra - Foi decisão minha. Reli a peça e vi que faltava uma estrutura cinematográfica.
Folha - Você já havia trabalhado com Chico antes?
Guerra - Havia trabalhado em teatro, na adaptação de "O Homem da Mancha", encenado pelo Flávio Rangel. Depois, escrevemos "Calabar". Já tinha parcerias com ele nas áreas do teatro e da canção.
Folha - E ele se mostrou melhor parceiro na área de cinema?
Guerra - O Chico é extraordinário porque nunca procurou fazer a linguagem cinematográfica, mas tem um sentido dramático muito grande. Ele trabalha a história, os personagens, os acontecimentos. É o trabalho sob ponto de vista da dramaturgia pura e simples.
Folha - Por que "Estorvo" não teve roteiro em parceria?
Guerra - Senti vontade, mas achei que Chico poderia me dizer pouco além do que estava no livro. No "Estorvo" há uma estrutura cinematográfica que eu conservei.
Folha - Como está o projeto?
Guerra - Estou fazendo o levantamento das locações e começando a formular uma linguagem cinematográfica das sequências. Começo a filmar depois do Carnaval.
Folha - Como é o filme?
Guerra - É um filme que se passa em três planos, do real, do passado e do imaginário. Há uma complexidade da história que estou tratando graficamente. Não é um filme naturalista, realista.
Folha - Quando você leu "Estorvo" logo pensou em filmá-lo?
Guerra - O livro me seduziu muito. Eu sabia que daria um filme. O que me interessou mais foi a temática e a maneira como essa história está contada. É um personagem que está fugindo de tudo, de todos e dele mesmo. É um retrato bem traçado da modernidade hoje, numa megalópole.
Folha - Como isso é traduzido para cinema?
Guerra - O personagem fala, mas tem sempre a voz off. Também tem muita imagem e ação. Decidi usar a voz off por ela ser uma tradição dos policiais B, noir. Quero que o filme seja uma espécie de um "thriller".
Folha - O elenco já foi definido?
Guerra - Como a produção será luso-brasileira, o elenco português está em aberto. Dos brasileiros, Guilherme Fontes (o personagem central), Aracy Balabanian, Luís Melo e Pedro Paulo Rangel são os nomes já definidos no elenco.
Folha - Quando será lançado?
Guerra - No final do ano. O projeto de filmar "Quase Memória" (de Carlos Heitor Cony) deve começar no segundo semestre.

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