São Paulo, sexta-feira, 2 de fevereiro de 1996
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Falta cérebro aos treinadores brasileiros

AUGUSTO MASSI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nas duas últimas décadas, o futebol brasileiro assistiu a uma mudança curiosa. Em 82 e 86, as seleções de Telê acusavam um excesso de jogadores no meio de campo, porém, com habilidade suficiente para ocupar todos os espaços.
Mesmo apresentando um futebol vistoso e criativo, não levamos a taça. Novos tempos, outros técnicos e finalmente o tetracampeonato em 94. Parreira inverteu o quadro: meio de campo apagado e bons atacantes.
Paradoxalmente, as seleções de Telê mostraram poder ofensivo. Em 82, foram 15 gols em 5 jogos; em 86, 10 gols em 5 jogos, enquanto o time tetracampeão fez, em 7 jogos, 11 gols.
Apesar do tetra, se reconheça, é muito chato rever os jogos de 94. Por outro lado, nas partidas de 82 e 86, há algo da velha identidade que julgamos ser o verdadeiro futebol brasileiro.
Zagallo vem estimulando um futebol mais ofensivo, mas esbarra com frequência no problema de 94. Algumas lições devem ser tiradas dessa alternância na entressafra de jogadores: muito volante e pouca direção.
Os técnicos não deveriam estimular o surgimento ou o aperfeiçoamento de meias capazes de restabelecer uma ligação eficiente entre o meio-campo e o ataque? Hoje esse é o ponto fraco do nosso futebol. Todos os grandes clubes estão carentes deste tipo de jogador.
Os técnicos não têm desempenhado sua função formativa, ou seja, incentivar a volta dos "cérebros" do time, como Gérson, Pedro Rocha, Falcão e até mesmo estrelas menores, mas de brilho intenso, como Zenon e Pita.
Onde foi parar a arma mortal do lançamento? Com jogadores velozes como Ronaldinho e Sávio, as arrancadas seriam mortais. Por que não estimular o ressurgimento das cabeçadas de Leivinha ou dos peixinhos de Tostão? Por que perder o antigo repertório de jogadas como as tabelinhas?
Na busca de resultados, parece não haver tempo para burilar um atleta. Quem não se lembra do belo trabalho de Minelli junto a Falcão? Essa falta de visão tem prejudicado o crescimento técnico de jogadores naturalmente bem dotados. Dois exemplos: Marcelinho e Cafu.

Marcelinho é um jogador que demonstra uma excelente visão do campo. Ela se manifesta na capacidade de decidir partidas com chutes de longa distância, cobranças de falta ou lançamentos primorosos.
Mesmo jogando pelo Corinthians, que, nesse momento, não se destaca pelo esquema tático, o futebol de Marcelinho sempre aparece. Sua criatividade muitas vezes foi confundida com excesso de individualismo. Tal crítica impede que se veja a grande importância que teria na seleção brasileira.
Os lançamentos de Marcelinho tornariam o ataque mais veloz e fulminante. Com seus chutes de alta precisão, ao contrário dos jogadores especializados somente na preparação das jogadas, Marcelinho, além de cumprir com eficiência tal função, seria mais um elemento de finalização. Deveria ser chamado, nem que fosse como reserva. Seria sempre uma possibilidade de variar nosso jogo.

Cafu é outro craque que corre o risco de não jogar na seleção. Por ser um curinga de grande utilidade, tem sido preterido.
Ao contrário de Marcelinho, Cafu sabe tudo da arte de se posicionar. Até mesmo sem a bola nos pés, com uma simples escapada, abre a defesa adversária. Suas infiltrações criam corredores. Como lateral, sem ser um típico ladrão de bola, tensiona o campo, reduz os espaços, seca o adversário.
Tem jogado bem no Palmeiras, mas, certamente, na hora da convocação, não deverá ser lembrado para o meio-campo e, na lateral, corre o risco de perder a posição para um especialista.
Atualmente, falta a Cafu um pouco de individualismo. É um goleador calvinista. Não lhe interessa a jogada de efeito, busca apenas o gol que reestabeleça um placar justo, a jogada limpa. Ele trata a bola de maneira íntegra, quer elevá-la. É um temperamento trágico banhado em pura retidão.

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