São Paulo, sexta-feira, 2 de fevereiro de 1996
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Televisão, igrejas, cidadania

ROBERTO ROMANO

Igrejas não podem usufruir isenções que ferem a laicidade e a democracia
A Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) e a revista "Teoria e Debate" realizaram em Brasília, no último dia 25 de janeiro, um encontro sobre imprensa, religiosidade, poder.
Centenas de pessoas, incluindo padres, pastores e deputados (alguns da Universal do Reino de Deus), ouviram serenamente os convidados, questionando-os em seguida. Minha fala atacou a disputa entre as televisões e igrejas pelo monopólio da consciência popular.
O problema seria outro se não vivêssemos num falso Estado federativo. Em nossa terra oligarquias definem a ordem política, econômica, jurídica, religiosa. Parlamentares, em geral, não se importam com a plebe. O Congresso hoje obtém só 25% positivos, segundo o Datafolha. Imperativo é cumprir as ordens dos tiranetes provincianos.
Temos outra cicatriz federativa: a hegemonia do Executivo sobre os outros poderes. O presidente torna-se herói -o atual tem 41% de aprovação-, mas deixa o palácio sob achincalhe ou indiferença dos eleitores. Vargas, Jânio e Collor também tiveram instantes gloriosos. Deuses na sua posse, eles percebem que dependem dos oligarcas. Dessa regra nem sequer os militares escaparam.
O presidente nota que a hegemonia sobre as outras instituições estatais -o Legislativo e o Judiciário- é ilusória. Só lhe resta "negociar" para se manter.
Surgem as chantagens dos grupos religiosos, apoio em troca da manutenção pública de vários dogmas, doutrina moral, preconceitos. O Executivo "paga pedágio" às oligarquias econômicas, políticas e religiosas. Isso inclui rádios e televisões. Setores da Igreja Católica tiveram seu quinhão. Nova é a entrada dos pastores nessa festa. Mas eles se integraram com barganhas e votos parlamentares, o que potenciou a força e a agressividade de sua propaganda.
A Universal explora a doença e a morte. Mas em proveito próprio, sem vínculo direto com este ou aquele tiranete provincial. Este não pode impor à Record o que fez em 22 de janeiro último com a TV Educativa: cortar a entrevista, para a Bahia, do brigadeiro Frota. A censura, portanto, é apanágio dos pastores e de sua intolerância.
A empresa católica, mais sutil, também é cruel. Ela move uma política de comunicação visando manter seu rebanho. Leiamos a Pastoral Social (Estudos da CNBB, Paulinas, 1976): "A mensagem só evangeliza", afirma-se ali, "quando acolhida como ... uma notícia que transforma a vida de quem a recebe. Para isso é preciso que haja nele uma expectativa, uma sensibilização das antenas interiores pela qual ele capta a notícia". Como, pois, criticar apenas Edir Macedo? Ele soube "sensibilizar as antenas internas" de multidões.
A CNBB pratica o "é dando que se recebe" para garantir leis, rádios e concessões. Bispos possuem vínculos com oligarquias e buscam reconquistar massas populares e influência junto ao Estado. Enquanto Edir Macedo guia seu navio quase desimpedido, os bispos precisam carregar o lastro oligárquico que diminui sua velocidade de cruzeiro.
Os católicos podem aprender com seus concorrentes pentecostais. Diz o teólogo J. Comblin: "As massas permanecem indiferentes à religião católica... porque a acham aborrecida... Basta olhar para a pastoral da igreja: liturgia chata, catecismo chato, reuniões chatas, hierarquia chata." (REB, março de 1990). A Rede Viva é de uma chatice atroz, mas pegará o jeito da coisa.
Ensaios existem, como a novela da CNT estrelada por Miriam Rios, com as bençãos de bispos e jesuítas. Charlatães católicos prometem "curas" milagrosas pela ingestão de urina. E bispos, renegando a consciência cristã, louvam hoje, cinicamente, a "benignidade da Inquisição". Trágico. O ridículo: logo teremos belos anúncios, na mencionada rede: "Adquira um vidrinho de urina santa e salve a igreja!". Será a concorrência entre os excrementos e o simples "óleo sagrado de Jerusalém", feito em São Paulo, no Brás de Edir Macedo.
O remédio é um Estado laico, democrático, que impeça a chantagem de vida e morte exercida pelos sacerdotes de todas as crenças. A comunicação não pode ser uma competência unilateral do Executivo. Ela deve tornar-se, de fato, atributo dos três Poderes, com plena fiscalização institucional da cidadania.
Na religião todos os cultos devem ser taxados. Igrejas não podem usufruir isenções que ferem a laicidade e a democracia. Elas devem ser mantidas pelos fiéis. Isso acabaria com o farisaísmo dos que hoje criticam os "pastores eletrônicos". Refiro-me às autoridades católicas, que pressionam impunemente os políticos. É o caso do ensino religioso confessional, a chantagem dos bispos sobre o governo paulista, o qual precisa decidir se é independente ou simples instrumento dos purpurados.
Tais fatos provam: quem explora uma empresa rentável como Aparecida não tem motivos para criticar o "dá ou desce" de Macedo.

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