São Paulo, domingo, 4 de fevereiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Previdência e mitos

ALOYSIO BIONDI

Manchetes recentes anunciaram um déficit da Previdência em 1995, "pela primeira vez em oito anos". Elas serviram para reforçar as teses do governo, de que a Previdência está "quebrada" e por isso é preciso aprovar sua "reforma" a toque de caixa.
Devagar com o andor. Há unanimidade quanto à necessidade de corrigir distorções, como as aposentadorias especiais etecetera. Mas a Previdência está longe da "quebra", como se verá a seguir.
Disparada - Afirma-se que o pagamento de aposentadorias vêm crescendo assustadoramente. Na verdade, esses gastos também têm sido inchados, temporariamente, com o pagamento de "atrasados" reclamados no Supremo.
Em 1994, houve o pagamento dos célebres 147%, além da quitação da diferença devida a 6 milhões de aposentados rurais que recebiam menos que o salário mínimo (de 1991 a 1994). Falava-se que isso provocaria déficit. Houve superávit de R$ 1,8 bilhão. Em 1995, outra despesa extra, e temporária: as diferenças das mesmas aposentadorias rurais, de 1988/91.
Pendentes - Sem falar na sonegação, isto é, somente de dívidas reconhecidas, a Previdência tem R$ 15 bilhões a receber, dos quais R$ 5 bilhões de empresas privadas e R$ 5,5 bilhões de estatais. Além de R$ 6 bilhões em fase de cobrança judicial. Só aí, R$ 21 bi.
Previsões - No orçamento de 1995, o Ministério do Planejamento calculou uma receita de R$ 30,2 bilhões para a Previdência. Vai chegar a R$ 33 ou 34 bi. E poderia ser maior, porque houve pagamentos adiados e que deverão chegar aos cofres do INSS em 1996.
O esforço
Para 1996, a Previdência contará com as contribuições dos autônomos que prestam serviços a empresas, suspensas pelo Supremo. Terá também a contribuição sobre o 13º dos funcionários de Estados e municípios, que deixaram de pagá-lo em dezembro.
Finalmente, será superada a perda de receita provocada pela expectativa, em 1995, da aprovação de novo parcelamento dos débitos para com o INSS.
Ao mesmo tempo em que proclama que a Previdência está quebrada, o governo propôs, e o Congresso aprovou em 1995, novo parcelamento de dívidas. Com dois agravantes: as multas foram reduzidas pela metade, e quem já havia feito acordos anteriores poderá "reparcelar". Tudo, por 96 meses, isto é, oito anos. Só 1% da dívida será saldada a cada mês...
Tolerância
O combate à sonegação das empresas foi praticamente abandonado pelo INSS em 1994, por coincidência o ano a campanha para a Presidência. Segundo o próprio ministro Stephanes, naquele ano somente 153 mil empresas receberam visitas dos fiscais do INSS. Isto é: quase oito vezes menos que o número de 1,13 milhão de empresas fiscalizadas em 1992.
Confisco
Com o desemprego provocado pela recessão, era matemático que os saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço viessem a crescer. Hipocritamente, o governo diz que "as fraudes aumentaram", e quer impedir que o trabalhador use um dinheiro que é seu.
Tudo muito engraçado: no dia 13 de dezembro último, o mesmo governo aumentou para nada menos de 15 anos, ou 180 meses, o prazo que os sonegadores do FGTS podem conseguir para pagar suas dívidas. Tira do trabalhador, dá para o sonegador. Não surpreende que, segundo recente pesquisa, 70% da população ache que o governo beneficia os ricos.
Esperança
O Brasil tem sido o país da impunidade e desmandos de governantes e parcelas das elites. A crescente intervenção do Ministério Público, exigindo a apuração de escândalos financeiros e outros, é a principal mudança que vem ocorrendo no país, sem que a sociedade e os formadores de opinião percebam bem o fenômeno.
Setores empresariais, no entanto, já se deram conta da "virada". Segundo nota do Painel S/A desta Folha, entidades dos bancos pretendem recorrer à Justiça, para evitar investigações solicitadas pelo Ministério Público. Um saudável temor de tempos novos.

Texto Anterior: Autonomia com disciplina
Próximo Texto: Petroquímicas vivem expansão pós-privatização
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.