São Paulo, domingo, 4 de fevereiro de 1996
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Nixon invejava e admirava JFK, diz assessor

DANIELA FALCÃO
DE NOVA YORK

Leia a seguir os principais trechos da entrevista que Gannon concedeu à Folha, em Nova York.
Folha - Como decidiu gravar as entrevistas com Nixon?
Frank Gannon - Eu era ajudante pessoal de Nixon na Casa Branca e fui uma das pessoas que saiu junto com ele no dia da renúncia.
Antes de explodir todo o escândalo Watergate, já havia comunicado a ele que pensava em me tornar seu biógrafo. Disse inclusive que, em vez de escrever um livro, preferia gravar entrevista de vídeo. E ele adorou a idéia.
Folha - Quando as entrevistas foram feitas?
Gannon - Em agosto de 1974, eu viajei para a casa de Nixon em San Clemente (Califórnia) pela primeira vez. As entrevistas começaram no mês seguinte e só acabaram em 1978. Tive de fazer muito trabalho de pesquisa. Durante esses quatro anos, passei pelo menos quatro horas diárias com Nixon. Foi tudo muito intenso.
Folha - Nixon viu as fitas editadas?
Gannon - Não, porque eu só acabei no ano passado. Mas ele assistiu à versão intermediária, que tinha 38 horas. Acho que ver o vídeo foi muito importante para ele conseguir colocar o passado para trás e seguir adiante. Durante as entrevistas, Nixon teve a chance de refletir sobre sua vida, desde a infância até a renúncia.
Folha - O sr. conversou muito sobre Watergate?
Gannon - Não, quase nada. Até hoje, eu sei pouco sobre os detalhes de Watergate e a controvérsia que terminou resultando na renúncia do presidente.
Folha - Qual é então o teor das entrevistas?
Gannon - Procurei mostrar o lado de Nixon que ninguém conhecia. Fiz um trabalho mais psicobiográfico do que politicamente orientado. Porque havia gente bem mais capacitada do que eu para falar sobre o lado ideológico dele.
Nixon me odiaria por usar o termo psicobiográfico, mas não vejo outro que descreva melhor o teor dos vídeos. As entrevistas foram baseadas no meu relacionamento pessoal com Nixon e no conhecimento que eu tinha da vida dele. Tentei capturar a essência da personalidade dele, em vez de analisar idéias políticas e filosóficas.
Folha - Nixon é considerado um homem fechado e com múltiplas personalidades. Como o sr. conseguiu traçar o perfil?
Gannon - Sendo amigo, tornando-me íntimo. Claro que na época não tinha noção de como a proximidade seria importante para meu trabalho. Foi tudo acontecendo de forma natural. Hoje, acho que pouca gente fora a família teve a chance que eu tive de repartir da intimidade do presidente.
Foi inesquecível estar com ele na sala falando sobre a suas experiências. Mesmo as mais dramáticas como a morte prematura de seus dois irmãos, a infância pobre e a dificuldade em lidar com a imprensa.
Folha - O relacionamento de Nixon com a imprensa nunca foi bom. Por quê?
Gannon - Era uma relação de amor e ódio, cheia de mal-entendidos. Nixon achava que a imprensa não gostava dele, mas não tinha nada contra nenhum jornal ou repórter em especial. Ele ficava muito magoado quando o comparavam a JFK, porque achava que ele sempre era colocado numa posição de inferioridade. Eu tenho minha própria teoria sobre esse assunto.
Folha - E qual é?
Gannon - Acho que Nixon era um político típico da era do rádio, que deu o azar de viver numa época em que a cobertura televisiva começava a dominar o noticiário.
A lógica e a rapidez de raciocínio de Nixon, o timbre de sua voz, tudo era mais adequado para o rádio. Porque, na TV, a aparência pessoal é que determina o carisma de um político. E, sob esse ponto de vista, Nixon não seria nunca, por mais que se esforçasse, tão bom quanto JFK.
Folha - O sr. acredita que a relação de Nixon com o público seria diferente se ele tivesse vivido 30 anos antes?
Gannon - Tenho certeza absoluta. No debate para as eleições presidenciais em 1960, Kennedy foi considerado vencedor absoluto por quem assistiu pela TV.
Mas os que ouviram o debate pelo rádio tinham a certeza de que Nixon estivera melhor. Nunca houve um político que se adaptasse tão bem à TV quanto JFK. Como é que Nixon, que tinha olheiras enormes e vivia suando, poderia competir com o bronzeado constante e a simpatia de JFK?
Folha - O sr. assistiu ao filme "Nixon", de Oliver Stone?
Gannon - Claro, no mesmo dia em que estreou. É um bom filme e eu achei ótimo que Stone tenha tido a preocupação de mostrar como foi a infância de Nixon.
Mas existem muitas cenas que são pura fantasia. O relacionamento do presidente com sua mulher, Pat, está muito deturpado. Ela era muito mais importante para ele do que aparece no filme.
Folha - E a inveja que Stone insinua que Nixon tinha de JFK. Era verdade?
Gannon - Nixon e Kennedy se tornaram deputados no mesmo ano, em 1946. Os dois haviam lutado no Pacífico e ficaram amigos quando trabalharam nos comitês de educação e trabalho. Viajavam juntos e sempre voltavam conversando.
No Senado, o gabinete dos dois era no mesmo corredor, e Nixon foi dos poucos políticos convidados para o casamento de Kennedy.
Só que, no meio dos anos 50, eles passaram a lutar em campos opostos e a competir entre si. Talvez houvesse um pouco de inveja, mas havia admiração também.
Folha - É verdade que Nixon e Dwight Eisenhower não se davam bem?
Gannon - A relação dos dois sempre foi muito complexa. Eles eram pessoas muito diferentes, de classes e gerações opostas.
Folha - Na década de 60, Nixon era considerado conservador. Mas se fosse comparado aos políticos republicanos de hoje...
Gannon - Ele seria um liberal. Várias pessoas já me perguntaram se Nixon concordaria com a maneira como os republicanos estão tratando assuntos como previdência social e cortes no Orçamento.
Penso muito sobre isso, mas não tenho certeza se ele manteria suas opiniões da época se vivesse hoje. Li vários artigos de políticos que foram colegas ou trabalhavam com Nixon em que defendem que, apesar da aparência conservadora, o presidente sempre foi um liberal nato. Talvez eles tenham razão. Mas pelo tempo que convivi com Nixon, acho que ele nunca deixaria de ser um republicano.
Folha - Pelo menos fisicamente, Nixon e Bob Dole, senador e pré-candidato à Presidência, têm muito em comum...
Gannon - É. Ambos têm a voz estridente e não são exatamente bonitos ou charmosos.
Mas acho que as semelhanças ficam por aí. Trabalhei no Congresso para o ex-senador John Heinz e pude observar Dole de perto. Ele é extraordinariamente capaz, mas não é nada parecido com Nixon. Só fisicamente.
Folha - As duas filhas de Nixon, Tricia e Julie, sentiram muito a renúncia do pai?
Gannon - Têm um orgulho imenso de Nixon. Tricia mora com o marido e o filho em Nova York, e Julie mora com o marido, David Eisenhower, na Pensilvânia.
Elas são moças simples, que detestam a imprensa porque tiveram uma experiência traumática e querem para suas famílias uma privacidade que nunca puderam ter. Julie, que participou mais ativamente da vida política do pai, escreveu uma biografia sobre sua mãe ("Pat Nixon, A História Não-Contada") e outro livro sobre a impressão que ela teve de todas as pessoas que conheceu enquanto Nixon comandou o país, como Mao Tse-tung e Golda Meir.

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