São Paulo, domingo, 4 de fevereiro de 1996
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O anjo

ELAINE GUERINI
FOTO ANNIE LEIBOVITZ

Quando chegou a Los Angeles, há seis anos, era o anjo ruivo de cabelos encaracolados à procura do Paraíso. Em um set de filmagem, encontrou o dono da chave do Céu: Tom Cruise. Casou com ele e descobriu que o Céu não só não tem limites, como está cheio de festas e celebridades.
Bem, com um marido desses (já se disse que ele faz as mulheres "hiperventilarem") qualquer carreira começaria a engatinhar. Mas a verdade é que Nicole Kidman quase foi enviada ao Inferno depois de sua atuação em "Um Sonho Distante" (1992). Detalhe: no filme, ela estava ao lado do maridão.
A partir daí, sua carreira poderia ser resumida na frase: "Tom, não faça sombra". O jeito foi deixar o marido de lado e trabalhar com outros astros de Hollywood, como Dustin Hoffman, em "Billy Bathgate" (91), com Alec Baldwin, em "Malícia" (93), e com Michael Keaton, em "Minha Vida" (93). Mesmo assim, os melhores papéis de Hollywood nunca batiam na porta da "sra. Cruise".
No último dia 21, no entanto, sua vida começou a mudar. Não só fora, mas também dentro de casa. Na estante, Nicole, que afirma há dois anos ter 28 anos, colocou uma estatueta do Globo de Ouro de melhor atriz de comédia. Levou o prêmio graças à sua atuação em "Um Sonho sem Limites" (To Die For) -que está prestes a estrear nos cinemas brasileiros. Ao lado, a prateleira vazia de Cruise que, até hoje, só conseguiu uma indicação ao Oscar, em 90, pela atuação em "Nascido em 4 de Julho".
Com este troféu, atribuído pela imprensa estrangeira em Hollywood, crescem as chances de Nicole subir mais um degrau e figurar entre as estrelas indicadas ao Oscar. A cerimônia de entrega do Globo de Ouro costuma ser uma prévia da maior festa de Hollywood, que acontece todo ano no mês de março -as indicações saem no próximo dia 13.
protagonista
"Sempre soube que esse trabalho marcaria a minha carreira", diz Nicole (agora sim, nas nuvens), em entrevista exclusiva à Revista. "Um Sonho sem Limites" é o primeiro filme de Hollywood, em que se pode ler Nicole Kidman no letreiro principal. O segundo nome do elenco é o de Matt Dillon.
Em contraste com tudo o que já fez na tela, ela interpreta uma mulher disposta até mesmo a planejar o assassinato do marido (nada a ver com o dono da chave do Céu) para virar estrela de TV. O sonho da personagem é ser uma nova Barbara Walters, a famosa apresentadora da rede ABC.
"Um Sonho sem Limites" é produção de 95 assinada pelo americano Gus Van Sant (de "Drugstore Cowboy", "Garotos de Programa" e "Até as Vaqueiras Ficam Tristes"). "Sempre quis trabalhar com um diretor assim. Gus tem uma visão original do cinema", diz Nicole, com pouca originalidade.
Nesse trabalho, o diretor, aborda a obsessão dos americanos pela televisão. Suzanne Stone, a personagem da atriz, resume em uma frase a visão crítica com que o filme trata o tema: "Você só é alguém na América, se estiver na TV".
"Suzanne é uma mulher psicótica. Sua ambição não tem limites", conta Nicole. Com um figurino Barbie, a atriz, que costuma arrancar suspiros da platéia masculina, não aparece tão bonita na tela. Em compensação, revela-se capaz de provocar gargalhadas.
Mas Nicole ainda pode chegar ao segundo andar do Céu. Ela trabalhou em "The Portrait of a Lady", uma adaptação do romance do americano Henry James (1843-1916) dirigida por Jane Campion (do premiado "O Piano"). A estréia no Brasil está prevista para março.
Mais uma vez, Nicole faz a protagonista. Isabela Archer, seu personagem, é uma mulher reprimida sexualmente que aceita um casamento de conveniência. "Fazer um filme clássico, logo depois de uma comédia, foi bom para mostrar minha versatilidade", afirma.
"quero férias"
Nicole ainda atuou em um terceiro filme no ano passado -incluindo "Batman Eternamente", no qual fez o papel da médica Chase Meridian. "Agora, preciso de férias. Só volto a pisar em um set daqui a quatro meses", diz a atriz. Ela vai filmar com o diretor americano Stanley Kubrick (de "Laranja Mecânica", "2001" e outros).
Será o terceiro andar do Céu? Talvez sim, talvez não. Até lá, Nicole cuidará do dono da chave -e dos dois filhos adotivos, Isabella, 3, e Connor, com um ano -em sua casa em Sydney, na Austrália. "Nós moramos em todo lugar. Uns meses nos EUA, entre Los Angeles e Nova York, uns meses na Inglaterra e uns meses na Austrália."
A atriz nasceu no Havaí, mas não esconde a predileção pela Austrália, onde adora andar a cavalo e cuidar de sua horta. Foi lá que a ruiva passou a infância e a adolescência. Filha de australianos, Nicole morou só três anos nos EUA -enquanto o pai cursava bioquímica na Universidade do Havaí.
América
"Sou agradecida por não ter crescido nos EUA. Na Austrália, tive a oportunidade de ter uma visão diferente do mundo", afirma. Segundo a atriz, a pior coisa americana é a mania de "rotular as pessoas em categorias".
"Eu era muito jovem e ingênua quando me casei com Tom. Como não tinha muito contato com a América, não sabia exatamente o que significava ser um astro ou estrela de cinema. O jeito como a imprensa devasta a sua vida particular é estranho", conta.
A verdade é que Nicole demorou bastante para se acostumar com o lado obscuro do Céu. Até pouco tempo atrás, ainda ficava chateada ao ouvir insinuações de que o seu relacionamento com Tom Cruise não passa de um casamento de conveniência. "Agora, eu simplesmente ignoro."
Ela e Cruise se conheceram durante as filmagens de "Dias de Trovão", em 90. Na época, Cruise estava se divorciando da atriz Mimi Rogers, com quem ficou casado três anos.
Mas o interesse de Cruise por Nicole nasceu antes mesmo do primeiro encontro. Quando o ator a viu no filme australiano "Terror a Bordo", uma produção de 89 dirigida por Phillip Noyce, ele gostou tanto da "atuação" daquele anjo ruivo que lhe ofereceu um teste.
fofocas
Nicole evita falar sobre o que se poderia chamar de "primeira impressão". Mas parece que Cruise se sentiu um pouco embaraçado ao perceber que era alguns centímetros mais baixo (Nicole tem 1m78). Mesmo assim, ele insistiu para que o diretor Tony Scott a contratasse para o papel da neurologista em "Dias de Trovão". E foi aí que tudo começou.
"Eu o amo. Estamos sempre juntos", diz a atriz. Ela declara que o relacionamento dos dois não se deixa abater por fofocas e nem mesmo por uma suposta competição dentro de casa. O que não seria difícil de acontecer já que Nicole vem despontando em Hollywood e Cruise enfrenta atualmente uma fase ruim -principalmente depois das críticas sobre seu desempenho pouco convincente como Lestat, em "Entrevista com o Vampiro".
"Eu não poderia me comparar com Tom", diz Nicole. O que é verdade, pelo menos com relação ao valor do cachê. Enquanto Cruise leva no mínimo US$ 15 milhões por filme -em alguns casos, mais participação nos lucros-, a atriz ainda não se sente preparada para falar de dinheiro.
Afinal, o Céu também tem as suas diferenças sociais. Ela ainda está longe de ser uma Demi Moore, com os seus US$ 12,5 milhões por filme. E também não chega ao patamar do furacão Sharon Stone, na faixa dos US$ 5 milhões.
"Mas eu não preciso de muito. O mais importante neste momento da minha carreira é amadurecer como atriz", afirma Nicole. Se pudesse escolher, ela revela que gostaria de trabalhar com o diretor Martin Scorcese e de contracenar com Meryl Streep, sua atriz favorita. "Sonho em um dia conhecê-la".
Nicole parece subir rápido demais, mas, na verdade, sua carreira começou cedo. Com pouco mais de três anos, já fazia balé na Austrália e, aos nove anos, entrou em um curso de teatro. "Comecei com aulas de coreografia e figurino", lembra. Com 14 anos, ela estreou no cinema, atuando em "Bush Christmas".
Mais tarde, aos 17, estrelou a minissérie "Vietnam" e foi eleita como melhor atriz pelo Australian Film Institute. "Sempre fui uma pessoa determinada. Devo isso a minha mãe que, por ser feminista, sempre me estimulou a ser independente".
Foi essa determinação que colocou Nicole no elenco de "Um Sonho sem Limites", o que promete ser uma marco em sua carreira. A atriz admite que ligou para a casa do diretor mesmo sabendo que ele já havia descartado o seu nome do elenco. Gus Van Sant não a considerava engraçada o bastante para o papel e, pela sua formação na Austrália, temia que ela não conseguisse fazer um sotaque tipicamente americano. "Agradeço a Deus por ele ter me atendido. Depois de uma hora de conversa, o papel estava nas minhas mãos".
E a chave do Céu pode estar mudando de mãos.

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